sábado, abril 30, 2016

Tieta do Agreste

(Jorge Amado)



EPISÓDIO Nº 134

























DAS CHAMAS MORAIS ÀS CHAMAS VERDADEIRAS, CAPÍTULO EMOCIONANTE NO QUAL TIETA EXIBE UM ESPLENDOR DE FOGO


Liberto das penas do inferno, nas chamas do ciúme se consome o seminarista Ricardo, na noite da festa. Às nove horas em ponto, a luz do motor se apagou dando por findas as danças no tablado armado na praça do Curtume (perdoem: praça Modesto Pires) mas dona Carmosina inventou passeio até ao rio, espécie de piquenique nocturno. No bar de seu Manuel abasteceram-se de cerveja e guaraná, de bolinhos de bacalhau, especialidade do lusitano.

Da rede onde se recolhera à espera, o seminarista ouve o grupo na calçada, reconhece vozes, a de Leonora, a de Aminthas, a de Barbozinha em galanteio, esse velho ridículo não se assunta!, o riso de Tieta. Pensou que iam se despedir na porta mas os passos prosseguem pela praça e se perdem, ninguém entra em casa. Ricardo salta da rede, penetra na alcova, abre a janela sobre o beco, avista o grupo álacre no escuro da esquina, a caminho do rio. Sente-se enganado, traído, miserável.

Outra coisa não deseja Tieta senão voltar para casa, cansada do dia festivo, iniciado com a missa das oito e longo sermão do padre Mariano. Quando enxerga a magnânima ovelha na Igreja, entre os fiéis, o grato reverendo supera-se, estende a prédica, servindo latim e citações da bíblia. Tieta anseia reencontrar a ternura e a violência do seu menino, apenas entrevisto à tarde à hora da cerimónia, deslumbrante nas vestes de coroinha, a oferecer ao padre o aspersório. Indiferente às exibições folclóricas, tendo de rezar o rosário quotidiano, egoísta, Perpétua retivera o filho em casa para lhe fazer companhia.

Rodopiando nos braços de Barbozinha, de Osnar, de Fidélio – todos disputando a honra de dançar com ela – o pensamento de Tieta estava com Ricardo, ajoelhado diante do oratório a debulhar o terço com Perpétua. Insensata imagem, sonhara-se enlaçada pelo sobrinho vestido de batina; deslizavam no tablado, romântico e apaixonado par. Assim como estavam Leonora e Ascânio: a moça de olhos semicerrados, descansando a cabeça no ombro do rapaz.

Tieta aprovara a ideia de dona Carmosina e acompanhara o grupo na esperança de rapidamente desviar a quadrilha para outros rumos, deixando a sós Leonora e Ascânio, livres para os beijos e juras de amor. Na Bacia da Catarina, sob o negrume dos chorões, o namoro poderia desenvolver-se como devido, ao gosto de Mãezinha: ardente xodó e nada mais.

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