(Jorge Amado)
DAS CHAMAS MORAIS ÀS CHAMAS VERDADEIRAS, CAPÍTULO EMOCIONANTE NO QUAL TIETA EXIBE UM ESPLENDOR DE FOGO
Liberto das penas do inferno, nas chamas do ciúme se consome o seminarista Ricardo, na noite da festa. Às nove horas em ponto, a luz do motor se apagou dando por findas as danças no tablado armado na praça do Curtume (perdoem: praça Modesto Pires) mas dona Carmosina inventou passeio até ao rio, espécie de piquenique nocturno. No bar de seu Manuel abasteceram-se de cerveja e guaraná, de bolinhos de bacalhau, especialidade do lusitano.
Da rede onde se recolhera à espera, o seminarista ouve o grupo na calçada, reconhece vozes, a de Leonora, a de Aminthas, a de Barbozinha em galanteio, esse velho ridículo não se assunta!, o riso de Tieta. Pensou que iam se despedir na porta mas os passos prosseguem pela praça e se perdem, ninguém entra em casa. Ricardo salta da rede, penetra na alcova, abre a janela sobre o beco, avista o grupo álacre no escuro da esquina, a caminho do rio. Sente-se enganado, traído, miserável.
Outra coisa não deseja Tieta senão voltar para casa, cansada do dia festivo, iniciado com a missa das oito e longo sermão do padre Mariano. Quando enxerga a magnânima ovelha na Igreja, entre os fiéis, o grato reverendo supera-se, estende a prédica, servindo latim e citações da bíblia. Tieta anseia reencontrar a ternura e a violência do seu menino, apenas entrevisto à tarde à hora da cerimónia, deslumbrante nas vestes de coroinha, a oferecer ao padre o aspersório. Indiferente às exibições folclóricas, tendo de rezar o rosário quotidiano, egoísta, Perpétua retivera o filho em casa para lhe fazer companhia.
Rodopiando nos braços de Barbozinha, de Osnar, de Fidélio – todos disputando a honra de dançar com ela – o pensamento de Tieta estava com Ricardo, ajoelhado diante do oratório a debulhar o terço com Perpétua. Insensata imagem, sonhara-se enlaçada pelo sobrinho vestido de batina; deslizavam no tablado, romântico e apaixonado par. Assim como estavam Leonora e Ascânio: a moça de olhos semicerrados, descansando a cabeça no ombro do rapaz.
Tieta aprovara a ideia de dona Carmosina e acompanhara o grupo na esperança de rapidamente desviar a quadrilha para outros rumos, deixando a sós Leonora e Ascânio, livres para os beijos e juras de amor. Na Bacia da Catarina, sob o negrume dos chorões, o namoro poderia desenvolver-se como devido, ao gosto de Mãezinha: ardente xodó e nada mais.
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