A Vitória do Imperador
A Profecia da Normanda
Episódio Nº 4
- Traidora! Rugiu Afonso Henriques –
Chifrou-me mais uma vez.
Intempestivo e precipitado, como sempre
foi, o príncipe de Portugal fora já minado pela doença da desconfiança e o seu
intenso orgulho começava a cegá-lo.
Embora a rapariga não o tivesse traído,
pois em Setembro eles ainda não estavam juntos, aquela desagradável descoberta
era sentida como uma profunda infidelidade e, sem perder tempo, o furioso
príncipe entrou no quarto aos gritos.
Chamoa encontrava-se sentada na cama, em
cima das desordenadas mantas, das cobertas e das almocelas, ainda amarrotadas
pela noite quente do casal.
Mesmo no meio de tanta agitação,
espantei-me com a inigualável beleza da minha cunhada. Com os seus ondulantes
cabelos cor de mel, o nariz pequeno e bem desenhado, os cristalinos olhos
verdes cercados por longas pestanas, as incontáveis sardas que lhe cobriam o
rosto e o nascer do peito, o busto frondoso que se adivinhava por debaixo da
camisa de dormir, Chamoa estava esplendorosamente bela, apesar do choro que já
a consumia, agarrada a Maria.
Sou uma tola, sou uma tol!
Mas nem a sua visível aflição comoveu
Afonso Henriques, que numa berraria ressentida, desatou a acusá-la.
- Como fui acreditar em vós? Mais uma vez,
haveis-me traído!
A rapariga galega, as lágrimas a
descerem-lhe pela cara, nem pensou em negar as evidências e apenas implorou:
-
Desculpai-me Afonso, meu amor.
Ele interrompeu-a de pronto, vociferando:
-
Não digais isso, víbora desvairada! Carregais uma criança de outro homem no
ventre! Haveis vindo a Guimarães para me enganar!
Desesperada, Chamoa gemeu:
- Meu amado, perdoai-me! Foi Mem Tougues
quem me desviou! Foi um erro, uma só vez!
Chamoa contou que o primo a visitara no
Mosteiro de Vairão. Haviam ido passear pelos campos e ela bebera muito vinho
galego. A meio da tarde perdera o tino, aproveitando o primo para a possuir.
Com a voz entrecortada por soluços, a
minha cunhada jurou que nunca desejara um filho de Tougues, aquela era uma
terrível desgraça.
Meu príncipe, sois vós quem eu quero!
Perdoai, por favor, a minha grave falha!
Com outro homem, talvez a beleza dela, o
convulsivo choro ou os seus dilacerados apelos tivessem surtido efeito, mas
Afonso Henriques era demasiado abrasivo para se conter.
- Jamais vos perdoarei. Ide-vos embora,
não vos quero ver em Guimarães! Ide para Tui, para junto de quem vos emprenhou!
Em passada larga, avançou para a porta do
quarto, mas Chamoa que era uma rapariga orgulhosa e lutadora, embora umas vezes
uma infantil tola, indignou-se levantando-se da cama aos gritos:
-
Quem sois vós para me tratares assim, como se fosse um monstro? Não vos
lembrais o que haveis feito a meu marido?
Ao escutar a acusação que ela lançava, que
sabíamos verdadeira, o príncipe parou, de costas voltadas para Chamoa. Maria e
eu mantínhamo-nos em silêncio, sem saber o que dizer.
Sentindo que talvez o tivesse amansado a
minha cunhada insistiu:
-
Perdoai-me Afonso como eu vos perdoei teres morto meu marido, Paio Soares. Por
isso vim ter convosco. Se qui serdes
desfaço-me desta criança que cresce no meu ventre! Faço-o por vós, meu amado.
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