terça-feira, maio 10, 2016

Tieta do Agreste

(Jorge Amado)


EPISÓDIO Nº 142
























De braço dado com Leonora, fugira à pergunta com uma pilhéria:

- Com o rabo de fora…Adivinhe, se puder.

Ao coronel Artur de Figueiredo, por motivos óbvios – manda-chuva, prefeito em exercício, além de padrinho e protector – expusera em detalhes a conversa anterior com o grande empresário, planos e plantas. Fora à fazenda Tapitanga a propósito. Mas o coronel ainda meio broco, já não se interessa por nada tirando terras e cabras. Considerara o projecto pura maluquice, se não fosse pior, tenebroso plano de vigarista:

- Grande empresário, meu filho? Esse tipo não passa de um gatuno. Só que ele não sabe que é mais fácil tirar leite do saco de um bode do que arranjar verba em Agreste. Tomou o bonde errado. Ladrão e doido.

Discutir com o padrinho? Inútil, não o convenceria. Mas agora ali estavam os brindes, cinquenta sacolas contendo brinquedos para as crianças pobres, o coronel terá de render-se à evidência. Grande empresário, sim.


 Nem maluco nem vigarista, representante de imensos capitais, falando em nome da Brastânio, indústria para a produção de dióxido de titânio, básica para o desenvolvimento nacional. Situada em Agreste, cujo prefeito é o dinâmico e competente Ascânio Trindade. Se ainda não é, será, assim que haja eleição, cuja data o Tribunal Eleitoral do Estado deve marcar em breve.

Faz-se absolutamente necessário assinalar com solenidade significativa a entrega dos brindes, a dádiva da Empresa. Ascânio decide constituir uma comissão de senhoras e senhoritas gradas para a comovente cerimónia da distribuição, na véspera de Natal, daí a dois dias. Vai ser um sucesso, um Natal inesquecível, graças à Brastânio. Sorri sozinho, imaginando Leonora, fada a repartir brinquedos e alegria entre a meninada.

Convocará Barbozinha para agradecer em nome das crianças aos generosos industriais da Brastânio. Nessas ocasiões ninguém o iguala, sabe como atingir o coração dos ouvintes, arrancando lágrimas e aplausos.


 Também ele, Ascânio, dirá umas palavras: para anunciar aos povos o começo de uma nova era para Sant’Ana do Agreste – a era da Brastânio e – por que não? – de Ascânio Trindade, não mais um pobretão, reles funcionário municipal pouco acima de Leôncio, igual a Lindolfo. Um administrador, um político, um estadista. Merecedor da tua mão de esposa. Calca o espinho aos pés: a virgindade não passa de tolo preconceito. Uma jovem viúva, paulista, bela e rica.

Deixa as sacolas sob a guarda de Leôncio, duplamente feroz, jagunço e praça de pré. Dirige-se à casa de dona Perpétua, para comunicar a chegada dos brindes a Leonora e a dona Antonieta, esta última ainda recolhida ao leito onde as queimaduras cicatrizam sob a terna vigilância do sobrinho 
seminarista, um menino de ouro.

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