segunda-feira, maio 02, 2016

Cada degrau leva a um "cantinho"...
O meu cantinho...




















A casa onde nasci  e morei os meus primeiros dez anos, era uma moradia pretensiosa, coberta de azulejos verdes e figuras de pedra decorativas ao cimo, na parte oriental e pouco nobre da cidade de Lisboa.

Tinha catorze assoalhadas distribuídas pelo rez-do-chão e 1ª andar mas só vivíamos cá em baixo. O andar de cima era para dormir.

Uma escadaria, que descia em curva para a esquerda até se espraiar no hall, tinha uma carpete a meio, de alto a baixo, presa em cada degrau por um varão amarelo reluzente, de cobre muito bem areado, e dos lados corrimãos de bela madeira castanha escura, polida.

Do lado direito da escadaria, cá em baixo, em frente às janelas, rasgadas de alto a baixo, que davam para um grande terraço, ficava o meu “cantinho”. Aí me refugiava do “terrorista” do meu irmão, catorze meses mais novo, mas não sei quantos mais velho em malandrice, para poder ler descansado e tranquilo as histórias dos meus heróis predilectos do Mundo de Aventuras e do Cavaleiro Andante.

Há muito que já nada resta, tudo foi desaparecendo com o tempo, com excepção da ponte com a linha de Caminho-de-Ferro por onde passavam os velhos comboios a vapor que vinham da estação do Beato, e faziam estremecer a casa e fazendo saltar os pratos e copos em cima da mesa, onde tomávamos as refeições...

Então, a Grande Guerra, que aterrorizou por essa Europa fora milhões de crianças com eu, tinha começado, como o meu  tio anunciou, comigo ao colo, quando foi a minha casa conhecer-me. Ficámos de fora, por sortilégios da história...

Por brincadeira, a esta distância, e depois de ter acontecido tudo quanto aconteceu, gosto de dizer que foi o paleolítico da minha vida, e cheguei mesmo a pensar, quando visitei de novo o local há umas semanas atrás, se não foi um sonho próprio das crianças por ter tudo desaparecido como que por um passe de mágica.

Mas o meu “cantinho” ficou para o resto da vida. Hoje, ele situa-se aqui, em frente do computador, tremendo e impensável salto tecnológico que, depois do Cavaleiro Andante, Mundo de Aventuras, Histórias do Sandokan e as apaixonantes viagens do Júlio Verne, substitui o imaginário da minha juventude.

A diferença de idades faz, inevitavelmente, que fique agora a perder...
   

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