Cada degrau leva a um "cantinho"... |
O meu cantinho...
A casa onde nasci e morei os meus primeiros dez anos, era uma moradia
pretensiosa, coberta de azulejos verdes e figuras de pedra decorativas ao cimo,
na parte oriental e pouco nobre da cidade de Lisboa.
Tinha catorze assoalhadas distribuídas pelo
rez-do-chão e 1ª andar mas só vivíamos cá em baixo. O andar de cima
era para dormir.
Uma escadaria, que descia em curva para
a esquerda até se espraiar no hall, tinha uma carpete a meio, de alto a baixo,
presa em cada degrau por um varão amarelo reluzente, de cobre muito bem areado,
e dos lados corrimãos de bela madeira castanha escura, polida.
Do lado direito da escadaria, cá em
baixo, em frente às janelas, rasgadas de alto a baixo, que davam para um grande
terraço, ficava o meu “cantinho”. Aí me refugiava do “terrorista” do meu irmão,
catorze meses mais novo, mas não sei quantos mais velho em malandrice, para
poder ler descansado e tranqui lo as
histórias dos meus heróis predilectos do Mundo de Aventuras e do Cavaleiro
Andante.
Há muito que já nada resta, tudo foi
desaparecendo com o tempo, com excepção da ponte com a linha de Caminho-de-Ferro
por onde passavam os velhos comboios a vapor que vinham da estação do Beato, e faziam
estremecer a casa e fazendo saltar os pratos e copos em cima da mesa, onde tomávamos as
refeições...
Então, a Grande Guerra, que aterrorizou
por essa Europa fora milhões de crianças com eu, tinha começado, como o meu tio anunciou, comigo ao colo, quando foi a
minha casa conhecer-me. Ficámos de fora, por sortilégios da história...
Por brincadeira, a esta distância, e
depois de ter acontecido tudo quanto aconteceu, gosto de dizer que foi o paleolítico
da minha vida, e cheguei mesmo a pensar, quando visitei de novo o local há umas
semanas atrás, se não foi um sonho próprio das crianças por ter tudo
desaparecido como que por um passe de mágica.
Mas o meu “cantinho” ficou para o resto
da vida. Hoje, ele situa-se aqui , em
frente do computador, tremendo e impensável salto tecnológico que, depois do
Cavaleiro Andante, Mundo de Aventuras, Histórias do Sandokan e as apaixonantes
viagens do Júlio Verne, substitui o imaginário da minha juventude.
A diferença de idades faz,
inevitavelmente, que fique agora a perder...
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