(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº 135
Sentam-se sobre as pedras, Osnar empunha um abridor de garrafas, dona Carmosina desfaz o embrulho de bolinhos de bacalhau, comem e conversam.
De mãos dadas, Ascânio e Leonora permanecem alheios ao mundo em redor, sorriem abobados. Tieta se impacienta, levanta-se:
- Estou caindo de sono. Proponho…
Não chegou a propor deixaram ali o casal de namorados, tomando o rumo das suas casas os dispostos a dormir, mergulhando na escuridão dos becos os caçadores nocturnos, porque Barbozinha, a seu lado, aponta para a cidade e pergunta:
- Que é aquela luz ali? Parece fogo.
Não parece, é um fogaréu. Elevam-se labaredas, um clarão se abre no negrume.
- Incêndio! – anuncia Aminthas.
- Onde será?
Também Ascânio se põe de pé, tem o mapa da cidade na cabeça:
- É no Buraco Fundo.
- Ai, meu Deus – geme dona Carmosina.
No Buraco Fundo moram os mais pobres entre os pobres, os que nada possuem, os mendigos, bêbados sem ocupação, velhos que se arrastam para esmolar um pedaço de pão nas ruas do centro.
- Vamos lá – Ascânio ajuda Leonora a levantar-se.
Tieta já partira sem esperar convite. Quando mocinha, estando certa noite nos esconsos da Bacia de Catarina com um caixeiro viajante, ouvira gritos e percebera a claridade das labaredas. Quando chegaram, porém, ao lugar do incêndio, as chamas terminavam de devorar a casa de dona Paulina, vitimando três dos cinco filhos da viúva, os menores. Incêndio em Agreste é raridade mas quando acontece deixa sempre um saldo de mortes, por falta de qualquer recurso para extinguir o fogo.
Dissolve-se o piquenique, o grupo sai no encalço de Tieta mas ela se distancia, o passo rápido em seguida se transformara em correria. Surgem pessoas nas esquinas, atraídas pelo clarão nos céus.
Tieta é dos primeiros a chegar ao Buraco Fundo, as chamas envolvem uma das casas, por sorte isolada das demais. Alguns populares, moradores do local, cercam uma rapariga gorda que grita e arranca os cabelos:
- Ela vai morrer, ai minha avozinha!
Bafo de Bode, a voz pastosa, as pernas trôpegas explica que Marina Grossa Tripa, lavadeira de profissão e, se encontra freguês, meretriz de baixo preço, acordada pelo fogo em sua casa, fugira porta afora, esquecendo no quarto dos fundos a velha Miquelina, sua avó. Com a violência do fogo na madeira velha, nas palhas de coqueiro do teto, a anciã, praticamente incapaz de andar, a essas horas deve ter virado torresmo.
Uma vintena de vizinhos e curiosos assiste ao espectáculo da neta aos gritos que, por caridade, pelo amor de Deus, lhe salvem a avó, sua única parenta. Ninguém se oferece: se a própria Grossa Tripa, a quem cabe a obrigação de neta, não é tão louca a ponto de enfrentar o fogo, de penetrar naquele inferno, não serão estranhos que irão fazê-lo. Consolam-na recordando a longa existência da avó Miquelina, de cuja idade se perdera a memória. Vivera tempo suficiente para o bom e o ruim, vamos deixá-la descansar. Não paga a pena correr perigo mortal para tentar prolongar-lhe a vida por uns meses, umas semanas, uns dias.
Sem esperar o fim da explicação de Bafo de Bode Tieta se atira em direcção ao fogaréu, não atende a gritos a conselhos. Quando Osnar e Aminthas despontam no imundo canto da rua, ela acaba de desaparecer nas chamas. De toda a parte, apressados, afluem homens, mulheres, meninos, pois o sino da igreja está badalando, fúnebres sons de desgraça e morte.
Aumenta o burburinho quando Leonora aparece amparada por Ascânio, seguida por dona Carmosina que põe a alma pela boca.
- Dona Antonieta está lá dentro…
Ao saber que Tieta invadira o incêndio, Leonora solta-se da mão do namorado, tentando segui-la mas Aminthas a sustém a tempo de ver Tieta surgir das chamas, trazendo nos braços o corpo mínimo da velha Miquelina, viva, incólume e furiosa a praguejar contra a neta desalmada que a abandonara na hora do perigo, te arrenego. Maldita! O fogo respeitara o catre onde jazia, esperou que a viessem recolher para, de uma lambida, reduzi-lo a cinzas.
Sobem chamas pelo vestido de Tieta e os anelados cabelos exibem uma auréola de fogo, um halo, um resplendor.
Tais foram o espanto e a comoção que os assistentes emudeceram, ficaram parados. Somente Bafo de Bode teve raciocínio e acção. Surgiu com uma lata cheia de água e a despejou sobre Tieta.
De mãos dadas, Ascânio e Leonora permanecem alheios ao mundo em redor, sorriem abobados. Tieta se impacienta, levanta-se:
- Estou caindo de sono. Proponho…
Não chegou a propor deixaram ali o casal de namorados, tomando o rumo das suas casas os dispostos a dormir, mergulhando na escuridão dos becos os caçadores nocturnos, porque Barbozinha, a seu lado, aponta para a cidade e pergunta:
- Que é aquela luz ali? Parece fogo.
Não parece, é um fogaréu. Elevam-se labaredas, um clarão se abre no negrume.
- Incêndio! – anuncia Aminthas.
- Onde será?
Também Ascânio se põe de pé, tem o mapa da cidade na cabeça:
- É no Buraco Fundo.
- Ai, meu Deus – geme dona Carmosina.
No Buraco Fundo moram os mais pobres entre os pobres, os que nada possuem, os mendigos, bêbados sem ocupação, velhos que se arrastam para esmolar um pedaço de pão nas ruas do centro.
- Vamos lá – Ascânio ajuda Leonora a levantar-se.
Tieta já partira sem esperar convite. Quando mocinha, estando certa noite nos esconsos da Bacia de Catarina com um caixeiro viajante, ouvira gritos e percebera a claridade das labaredas. Quando chegaram, porém, ao lugar do incêndio, as chamas terminavam de devorar a casa de dona Paulina, vitimando três dos cinco filhos da viúva, os menores. Incêndio em Agreste é raridade mas quando acontece deixa sempre um saldo de mortes, por falta de qualquer recurso para extinguir o fogo.
Dissolve-se o piquenique, o grupo sai no encalço de Tieta mas ela se distancia, o passo rápido em seguida se transformara em correria. Surgem pessoas nas esquinas, atraídas pelo clarão nos céus.
Tieta é dos primeiros a chegar ao Buraco Fundo, as chamas envolvem uma das casas, por sorte isolada das demais. Alguns populares, moradores do local, cercam uma rapariga gorda que grita e arranca os cabelos:
- Ela vai morrer, ai minha avozinha!
Bafo de Bode, a voz pastosa, as pernas trôpegas explica que Marina Grossa Tripa, lavadeira de profissão e, se encontra freguês, meretriz de baixo preço, acordada pelo fogo em sua casa, fugira porta afora, esquecendo no quarto dos fundos a velha Miquelina, sua avó. Com a violência do fogo na madeira velha, nas palhas de coqueiro do teto, a anciã, praticamente incapaz de andar, a essas horas deve ter virado torresmo.
Uma vintena de vizinhos e curiosos assiste ao espectáculo da neta aos gritos que, por caridade, pelo amor de Deus, lhe salvem a avó, sua única parenta. Ninguém se oferece: se a própria Grossa Tripa, a quem cabe a obrigação de neta, não é tão louca a ponto de enfrentar o fogo, de penetrar naquele inferno, não serão estranhos que irão fazê-lo. Consolam-na recordando a longa existência da avó Miquelina, de cuja idade se perdera a memória. Vivera tempo suficiente para o bom e o ruim, vamos deixá-la descansar. Não paga a pena correr perigo mortal para tentar prolongar-lhe a vida por uns meses, umas semanas, uns dias.
Sem esperar o fim da explicação de Bafo de Bode Tieta se atira em direcção ao fogaréu, não atende a gritos a conselhos. Quando Osnar e Aminthas despontam no imundo canto da rua, ela acaba de desaparecer nas chamas. De toda a parte, apressados, afluem homens, mulheres, meninos, pois o sino da igreja está badalando, fúnebres sons de desgraça e morte.
Aumenta o burburinho quando Leonora aparece amparada por Ascânio, seguida por dona Carmosina que põe a alma pela boca.
- Dona Antonieta está lá dentro…
Ao saber que Tieta invadira o incêndio, Leonora solta-se da mão do namorado, tentando segui-la mas Aminthas a sustém a tempo de ver Tieta surgir das chamas, trazendo nos braços o corpo mínimo da velha Miquelina, viva, incólume e furiosa a praguejar contra a neta desalmada que a abandonara na hora do perigo, te arrenego. Maldita! O fogo respeitara o catre onde jazia, esperou que a viessem recolher para, de uma lambida, reduzi-lo a cinzas.
Sobem chamas pelo vestido de Tieta e os anelados cabelos exibem uma auréola de fogo, um halo, um resplendor.
Tais foram o espanto e a comoção que os assistentes emudeceram, ficaram parados. Somente Bafo de Bode teve raciocínio e acção. Surgiu com uma lata cheia de água e a despejou sobre Tieta.
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