sábado, maio 21, 2016

Tieta do Agreste
(Jorge Amado)



EPISÓDIO Nº 152






















O Velho Parlamentar, tranquilizado com a retirada das moças, mas sempre contido como compete a um britânico (seu ar britânico, sua elegância londrina, definira um cronista parlamentar que lhe devia pequenos favores), concordou com um aceno de cabeça e reforçou a afirmação de Sua Excelência:

- Uma trabalheira.

Sua Excelência ia falando e despindo-se ao mesmo tempo, as meninas à espera no quarto:

- O Senador pode dizer também quanto tivemos de gastar…

Um gesto apenas, mas significativo, do Velho Parlamentar para demonstrar a enormidade da quantia despendida. Sua Excelência de camisa e cuecas, a cinta dobrada sob o volume da barriga, levanta o copo, os demais o acompanham no brinde:

- Hoje ninguém faz favores de graça, tudo é muito arriscado. Na situação actual ninguém pode se considerar seguro – Conta nos dedos: - Trabalho, dinheiro e risco. Muito risco.

Apesar disso obtive a autorização para o funcionamento da indústria de vocês. Mas, já sabem: Vão poluir longe daqui, São Paulo não aguenta mais tanta fumaça – Os olhos gananciosos passam do Magnífico Doutor para o Audacioso Empresário. – Outro não conseguiria, só mesmo eu. Sabem o que isso significa?

- O país há-de agradecer a Vossa Excelência – pronunciou afoito e ingénuo o Audacioso Empresário.

- O país uma porra! – impulsivo como se sabe, Sua Excelência. Fita o Audacioso Empresário: esse sujeitinho pretende por acaso gozá-lo? Desaparece a figura de caipira bonachão, ergue-se novamente o maioral, senhor de baraço e cutelo, aquele que põe e dispõe.

Imóvel, britânico, o Velho Parlamentar pousa o olhar confiante no Magnífico Doutor cuja voz melíflua, em tom menor porém audível, coloca a gratidão em seus devidos termos:

- O país e a Brastânio, Excelência: O Natal das crianças pobres de São Paulo a quanto subiu? 

Recorda-se Excelência?

O Audacioso Empresário estremece ao ouvir a quantia absurda. Quer falar, obter uma redução, mais uma vez o gesto quase imperceptível do Magnífico Doutor o retém: com Sua Excelência não vale a pena pechinchar, é perigoso; a concessão da licença ainda não foi publicada e certamente não o será antes de tudo estar em ordem, a maquia depositada num banco, na Suiça, como nos folhetins sobre vendas de armas e poços de petróleo.

 Adianta-se o Magnífico Doutor, numa pergunta cuja resposta conhece:

- Como sempre?

- Exacto.

Ao sair pela porta que leva ao quarto onde as duas moças o aguardam, resignadas, Sua Excelência, dirigindo-se ao Magnífico Doutor, aponta o Audacioso Empresário:

- Mudo ele é melhor do que falando. Quando abre a boca, caga tudo. Mas você, no dia que deixar esses ladrões, me procure, tenho colocação para você no meu gabinete.

Apressada, uma das raparigas volta à sala em busca da roupa de Sua Excelência. Apenas ela fecha a porta, o Velho Parlamentar eleva o guarda-chuva e pigarreia.

O Magnífico Doutor entende, estende a mão para a pasta. Não pergunta o custo de Natal dos pobres do Senado, acertara preços e valores com o Jovem Parlamentar no início da longa e custosa operação, ali mesmo, no refúgio dos lordes.

Abre a pasta, preenche um cheque (ao portador, naturalmente). Para cada situação, um lance, para cada parceiro, uma gorjeta, mais gorda ou menos gorda, sempre ponderável.

O Magnífico doutor pensa em termos de gorjeta, gorjeta é o que se dá a um criado mesmo se ele enverga esmo quingue, fraque ou casaca. Excitante partida de xadrez.

Algumas vezes, raras, terminando em escândalo, em processo. Em xadrez, medíocre jogo de palavras. Suspende os ombros: no Brasil, ao que se lembre, nunca.

De qualquer maneira, há sempre um risco a correr quando se deseja gozar a vida ao máximo. Além de ser estimulante diversão, empregar a inteligência que deus lhe deu a mover as peças: a calhordagem de Sua Excelência, a hipocrisia de Velho Parlamentar, a presunção do Audacioso Empresário. Tudo perfeito, não fora ter perdido a ruiva, jogada suja de Sua Excelência.

O Velho Parlamentar embolsa o cheque, depois de constatar-lhe o montante: apenas o combinado, nem um centavo a mais, correctos porém avaros.

O rosto impassível não demonstra a decepção. 

Afinal, quem se empenhou, correndo risco foi Sua Excelência, por isso mesmo recebe aquela imensa bolada, em divisas, a salvo na Suiça. Belo país a Suiça, longe todavia da perfeição da Inglaterra. Vai levantar-se – há uma menina, uma só, a mais novinha de todas, a esperá-lo – quando o Magnífico doutor coloca outra questão, abrindo inesperadamente perspectivas:

- Sua Excelência retirou-se antes que pudéssemos tratar do problema da localização…

- Em São Paulo, já sabem, não pode ser. Aliás, em todo o Sul.

- Já nos decidimos pela Bahia. O problema é onde, na Bahia… O magnífico Doutor expõe os dados do que ele chama de “pequeno porém importante detalhe”.

O Velho Parlamentar permite-se sorrir britanicamente, no fleumático rosto de lorde uma nuance de satisfação. Ah! os poderosos e necessitados empresários terão de pagar caro, desta vez não tratam com a sôfrega inexperiência do Jovem Parlamentar.

 Preço elevado, sirs. Para começar, pela informação confidencialíssima, circunscrita aos altos escalões: consta que estão pedindo a cabeça de Sua Excelência.

Falam em cassação, nada mais nada menos. Sim, exactamente por corrupto. Depois, o estabelecimento de novos contactos para resolver “o pequeno porém importante detalhe”, importante e grande problema, nem pequeno, nem detalhe, “God save the King!”

Tudo tratado com descrição e finura, entre cavalheiros. Sua Excelência é um grosso, um porcalhão, um asco, o oposto de um lorde.

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