(Domingos Amaral)
Episódio Nº 31
- Talvez o posto devesse ser para um
portucalense...
Descortinei um ligeiro incómodo nas
palavras de meu pai. Egas Moniz. A escolha de Peres Cativo retirava o essencial
da influência dos Moniz de Ribadouro, a nossa poderosa família.
Certamente que o meu pai preferia que o
alferes fosse o meu irmão Afonso, já que eu não o desejava ser outra vez. Ver o
posto ocupado por um não familiar era um contratempo, uma perda de poder que
nem a perícia bélica do nomeado evaporava.
- A fúria do Trava será nossa aliada –
retorqui u Afonso Henriques,
ignorando a relutância de meu pai com aquela opção.
Qualquer provocação a Fernão Peres lhe era
agradável. Sem perder tempo, deu as primeiras instruções a Peres Cativo,
exortando-o a reunir os numerosos cavaleiros -vilões de Coimbra.
Deixaremos tudo em chamas, daqui até ao Nabão! – exclamou o príncipe de Portugal.
O seu entusiasmo bélico propagou-se num ápice
a todos nós, que lançamos vivas a Santiago e ao Condado Portucalense. No
entanto, notei que alguém permanecera tenso e hirto.
Ramiro não partilhava do contentamento
geral e aproximou do príncipe, relembrando que o fossado de Peres Cativo impediria
os templários de continuarem as buscas pela bruxa Shoba e pela relíqui a.
- Esse tempo passou – afirmou Afonso
Henriques com brusqui dão.
Cerrando os dentes, com as veias do
pescoço contraídas devido ao enervamento, o bastardo de Paio Soares ripostou
que os monges guerreiros da Ordem do Templo de Salomão também desejavam lutar
contra os infiéis e queriam participar na expedição armada!
- Conhecemos o terreno como ninguém –
reforçou Ramiro.
Porém, Afonso Henriques estava mesmo
desagradado e exclamou:
-
Mas não encontraram nada!
Perante a visível desilusão de Ramiro, o
príncipe acrescentou que os templários eram poucos e tinham de proteger Soure, única
função que até aqui tinham cumprido
bem.
Se só isso sabeis fazer, será só isso que
fareis – rematou.
Esta súbita perda de protagonismo, bem
como a reprimenda pública que a acompanhara, incomodou verdadeiramente Ramiro.
A sua insatisfação crescia a cada momento,
mas só atingiu um ponto quase insustentável quando Peres Cativo lhe atirou uma
piada.
- Procurar mulheres não é a vossa vocação...
Provavelmente, o novo alferes referia-se à
bruxa Shoba, mas a insinuação podia ser considerada como mais vasta, atendendo
aos rumores que corriam sobre Ramiro e alguns dos seus companheiros de Soure.
Dizia-se que dormiam uns com os outros e
esses vícios secretos, conjugados com a sua original forma de vida em
comunidade masculina, causavam desconforto noutros soldados que, por essas razões,
rejeitavam a companhia dos templários.
Pai, eu mato-o...
Por instantes, pareceu-me que o demasiado
musculado Ramiro, se preparava para replicar a Peres Cativo, mas algo o conteve
e limitou-se a dirigir o seu olhar amargurado ao príncipe e a afirmar:
-
Nossos pais vieram juntos esconder a relíqui a
e haveis dito que a iríamos procurar juntos.
O bastardo de Paio Soares recordava a
antiga promessa que Afonso Henriques lhe fizera. Mas três anos haviam passado e
o príncipe não vira em Ramiro capacidade para a demanda exigida.
- Recordar os mortos serve-nos de pouco –
afirmou desagradado.
Quando desci os degraus da Sé, atrás do
meu melhor amigo, notei que Ramiro nos mirava, pálido e desconfiado.
Pai, odei-vos...
Recordei-me dele quando o conhecera, ainda
rapazito atarantado a quem Paio Soares humilhava em público. Apesar do
seu porte físico imponente não despertar compaixão, voltei a ter pena dele.
Foi um sentimento bonito, mas equi vocado, como o futuro mês mostraria.
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