segunda-feira, junho 13, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)



Episódio Nº 31


















- Talvez o posto devesse ser para um portucalense...

Descortinei um ligeiro incómodo nas palavras de meu pai. Egas Moniz. A escolha de Peres Cativo retirava o essencial da influência dos Moniz de Ribadouro, a nossa poderosa família.

Certamente que o meu pai preferia que o alferes fosse o meu irmão Afonso, já que eu não o desejava ser outra vez. Ver o posto ocupado por um não familiar era um contratempo, uma perda de poder que nem a perícia bélica do nomeado evaporava.

- A fúria do Trava será nossa aliada – retorquiu Afonso Henriques, ignorando a relutância de meu pai com aquela opção.

Qualquer provocação a Fernão Peres lhe era agradável. Sem perder tempo, deu as primeiras instruções a Peres Cativo, exortando-o a reunir os numerosos cavaleiros -vilões de Coimbra.

Deixaremos tudo em chamas, daqui até ao Nabão! – exclamou o príncipe de Portugal.

O seu entusiasmo bélico propagou-se num ápice a todos nós, que lançamos vivas a Santiago e ao Condado Portucalense. No entanto, notei que alguém permanecera tenso e hirto.

Ramiro não partilhava do contentamento geral e aproximou do príncipe, relembrando que o fossado de Peres Cativo impediria os templários de continuarem as buscas pela bruxa Shoba e pela relíquia.

- Esse tempo passou – afirmou Afonso Henriques com brusquidão.

Cerrando os dentes, com as veias do pescoço contraídas devido ao enervamento, o bastardo de Paio Soares ripostou que os monges guerreiros da Ordem do Templo de Salomão também desejavam lutar contra os infiéis e queriam participar na expedição armada!

- Conhecemos o terreno como ninguém – reforçou Ramiro.

Porém, Afonso Henriques estava mesmo desagradado e exclamou:

 - Mas não encontraram nada!

Perante a visível desilusão de Ramiro, o príncipe acrescentou que os templários eram poucos e tinham de proteger Soure, única função que até aqui tinham cumprido bem.

Se só isso sabeis fazer, será só isso que fareis – rematou.

Esta súbita perda de protagonismo, bem como a reprimenda pública que a acompanhara, incomodou verdadeiramente Ramiro.

A sua insatisfação crescia a cada momento, mas só atingiu um ponto quase insustentável quando Peres Cativo lhe atirou uma piada.

- Procurar mulheres não é a vossa vocação...

Provavelmente, o novo alferes referia-se à bruxa Shoba, mas a insinuação podia ser considerada como mais vasta, atendendo aos rumores que corriam sobre Ramiro e alguns dos seus companheiros de Soure.

Dizia-se que dormiam uns com os outros e esses vícios secretos, conjugados com a sua original forma de vida em comunidade masculina, causavam desconforto noutros soldados que, por essas razões, rejeitavam a companhia dos templários.

Pai, eu mato-o...

Por instantes, pareceu-me que o demasiado musculado Ramiro, se preparava para replicar a Peres Cativo, mas algo o conteve e limitou-se a dirigir o seu olhar amargurado ao príncipe e a afirmar:

 - Nossos pais vieram juntos esconder a relíquia e haveis dito que a iríamos procurar juntos.

O bastardo de Paio Soares recordava a antiga promessa que Afonso Henriques lhe fizera. Mas três anos haviam passado e o príncipe não vira em Ramiro capacidade para a demanda exigida.

- Recordar os mortos serve-nos de pouco – afirmou desagradado.

Quando desci os degraus da Sé, atrás do meu melhor amigo, notei que Ramiro nos mirava, pálido e desconfiado.

Pai, odei-vos...

Recordei-me dele quando o conhecera, ainda rapazito atarantado a quem Paio Soares humilhava em público. Apesar do seu porte físico imponente não despertar compaixão, voltei a ter pena dele.

Foi um sentimento bonito, mas equivocado, como o futuro mês mostraria.

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