(Domingos Amaral)
Episódio Nº 32
Coimbra, Julho de 1132
Ainda à porta da Sé,
observando o grupo que se afastava, o pobre Ramiro estava abatido quando o
bispo Bernardo se aproximou dele e lhe perguntou:
- Estais em sofrimento?
O jovem templário procurou
justificar-se com o desapontamento por ter sido afastado do fossado mas o bispo
era um ser experiente habituado a lidar com as angústias humanas.
Ouvi a graçola de Peres
Cativo. Não foi a primeira vez...
Ramiro empalideceu mas
manteve-se calado, olhando para o chão como uma criança apanhada em contrapé.
Pai, estou perdido...
Então o bispo disse:
- Há sempre perdão para tudo. Seja o que for,
Deus perdoa!
De repente, o templário
sentiu uma espécie de alívio por antecipação, como se acreditasse que a
purificação da sua alma surgiria se admitisse aquelas tormentas.
Pai, não consigo mais...
Por isso, finalmente
concedeu:
- Tenho o espírito perturbado.
Agradado por o sentir a
capitular, o bispo sorriu-lhe:
- Todos temos medos, receios, pensamentos
impuros. É para isso que serve a confissão, partilhamos com Deus as nossas
dores.
Ramiro rendeu-se em
definitivo e os dois entraram na Sé onde se sentaram num pequeno banco, perto
da porta da biblioteca onde o bastardo de Paio Soares revisitou a sua existência
atribulada.
Na infância, o progenitor
passava o tempo a castigá-lo, mas o pior fora o que se passara com Chamoa.
Ainda se lembrava de uma tarde longínqua em Ponte de Lima, durante as feiras,
quando tinham passeado na floresta de mão dada.
Jamais se esquecera do beijo que ela lhe dera
e nunca pensara que o pai iria desposá-la!
Pai, amo-a tanto!
Destroçado, decidira
matar-se, mas Afonso Henriques impedira-o de tal disparate. E depois também o
traíra. Chamoa obrigada a casar com Paio Soares, nas costas do pai dava-se ao
príncipe de Portugal!
Pai, ela chifrou-nos aos dois!
Atarantado, dilacerado pelo
duplo desgosto sofrido em Viseu, Ramiro escapara para Soure, esperando nunca
mais ter de ver o pai, o príncipe ou Chamoa. Mas todos acabaram por vir ter com
ele.
E tratavam-no mal! O
príncipe, a quem Ramiro salvara a vida um dia, agora ofendia-o, afastando-o das
buscas? Se os pais de ambos haviam sido companheiros leais, porque é que eles
não podiam ser?
Afinal, nenhum dos dois
ficara com Chamoa que vivia agora com um primo em Tui. Porque é que o
príncipe o desprezava tanto? Só porque não encontrara uma velha bruxa, que
provavelmente estava morta?
Nomear Peres Cativo e
afastar os templários das buscas era uma injustiça! Quem defendera Soure? Quem
salvara Coimbra?
Pai, fui eu!
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