quinta-feira, junho 16, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 32




















Coimbra, Julho de 1132



Ainda à porta da Sé, observando o grupo que se afastava, o pobre Ramiro estava abatido quando o bispo Bernardo se aproximou dele e lhe perguntou:

- Estais em sofrimento?

O jovem templário procurou justificar-se com o desapontamento por ter sido afastado do fossado mas o bispo era um ser experiente habituado a lidar com as angústias humanas.

Ouvi a graçola de Peres Cativo. Não foi a primeira vez...

Ramiro empalideceu mas manteve-se calado, olhando para o chão como uma criança apanhada em contrapé.

Pai, estou perdido...

Então o bispo disse:

 - Há sempre perdão para tudo. Seja o que for, Deus perdoa!

De repente, o templário sentiu uma espécie de alívio por antecipação, como se acreditasse que a purificação da sua alma surgiria se admitisse aquelas tormentas.

Pai, não consigo mais...

Por isso, finalmente concedeu:

 - Tenho o espírito perturbado.

Agradado por o sentir a capitular, o bispo sorriu-lhe:

 - Todos temos medos, receios, pensamentos impuros. É para isso que serve a confissão, partilhamos com Deus as nossas dores.

Ramiro rendeu-se em definitivo e os dois entraram na Sé onde se sentaram num pequeno banco, perto da porta da biblioteca onde o bastardo de Paio Soares revisitou a sua existência atribulada.

Na infância, o progenitor passava o tempo a castigá-lo, mas o pior fora o que se passara com Chamoa. Ainda se lembrava de uma tarde longínqua em Ponte de Lima, durante as feiras, quando tinham passeado na floresta de mão dada.

 Jamais se esquecera do beijo que ela lhe dera e nunca pensara que o pai iria desposá-la!

Pai, amo-a tanto!

Destroçado, decidira matar-se, mas Afonso Henriques impedira-o de tal disparate. E depois também o traíra. Chamoa obrigada a casar com Paio Soares, nas costas do pai dava-se ao príncipe de Portugal!

Pai, ela chifrou-nos aos dois!

Atarantado, dilacerado pelo duplo desgosto sofrido em Viseu, Ramiro escapara para Soure, esperando nunca mais ter de ver o pai, o príncipe ou Chamoa. Mas todos acabaram por vir ter com ele.

E tratavam-no mal! O príncipe, a quem Ramiro salvara a vida um dia, agora ofendia-o, afastando-o das buscas? Se os pais de ambos haviam sido companheiros leais, porque é que eles não podiam ser?

Afinal, nenhum dos dois ficara com Chamoa que vivia agora com um primo em Tui. Porque é que o príncipe o desprezava tanto? Só porque não encontrara uma velha bruxa, que provavelmente estava morta?

Nomear Peres Cativo e afastar os templários das buscas era uma injustiça! Quem defendera Soure? Quem salvara Coimbra?

Pai,  fui eu!

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