segunda-feira, junho 06, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)






Episódio Nº 25


















Pai, onde estamos?


Já perto do rio o Peida Gorda avançou primeiro, com a sua habitual coragem. Grande e obeso, o seu rabo era tão volumoso que transbordava pela traseira da sela, gerando risos nos outros.

Mas tinha o espírito forte, nunca sentia medo de nada e por isso todos ficaram petrificados quando regressou muito pálido e disse:

 - Deus lhes perdoe, é terrível.

Lentamente, aproximaram-se. Estavam a pouca distância das ruínas de uma pequena povoação e já podiam ver o Nabão mas, à direita deles, numa clareira, um aterrador espectáculo aguardava-os.

Espetadas no chão estavam nove lanças sarracenas, onde nove cadáveres masculinos se encontravam empalados. E pousadas aos pés dos nove desgraçados, viam-se nove cabeças.

Os templários de Soure benzeram-se e rezaram preces silenciosas. Depois de desmontarem verificaram que os mortos eram companheiros do primeiro sem cabeça, que devia ter sido enviado por Zhakaria como mensageiro da matança.

Por respeito aos defuntos cavaram uma cova, mas mesmo para homens habituados à guerra, aquele foi um trabalho horrível.

Os galegos haviam sido empalados vivos, tinham as lanças enfiadas pelos ânus acima, cortando os músculos e as entranhas enquanto morriam, o que se notava pela forma como se haviam contraído, explicou o Velho, dizendo que só depois os haviam degolado.

- Zhakaria está furioso. Esta violência não é hábito dele – concluiu o Rato depois de sepultarem os galegos.

Preocupado, Ramiro observou o rio Nabão e as ruínas.

- Alguém sabe como se chama este sítio?

Ninguém sabia mas o Velho disse que aqueles casebres, assim tão degradados, deviam estar abandonados há centenas de anos.

Porque vieram até aqui os galegos? – interrogou-se Ramiro.

Sem maneira de esclarecer o mistério, os templários decidiram regressar a Soure e montaram de novo nos seus cavalos. O bastardo de Paio Soares foi o último a fazê-lo, mantendo-se algum tempo a examinar as redondezas.


Pai, foi aqui que haveis vindo?

Embora fosse de estatura média, Ramiro andava sempre muito direito, parecendo mais alto do que era. Tinha os ombros largos e as ancas sólidas e o Rato admirou-o, imaginando-o um comandante militar nobre, às portas da glória.

Porém, espantou-se quando apenas ouviu Ramiro murmurar:

- Pai, é aqui?

Subitamente ouviu-se um esgar, seguido de alguém a tombar. Ramiro e o Rato voltaram-se para trás e viram o Velho no chão. Caíra do cavalo e parecia não só magoado como deveras surpreendido, como se o corpo o houvesse traído.

Com pena, Ramiro desmontou, correu para ele e percebeu quanto a idade lhe pesava. Orgulhoso, o Velho afastou-o e tentou levantar-se sozinho, mas a sua perna direita cedeu e quase voltou a tombar, só não caindo desamparado porque Ramiro não deixou.

Preocupado o Rato, que também acorrera, perguntou:

 - Companheiro, que se passa?

O Velho fechou os olhos, estava com dores. Então, o Peida Gorda, apesar da sua lendária timidez, disse:

 - É a minha vez de vos ajudar.

Anos antes o Velho sarara-lhe a ferida de uma flecha e o tempo de retribuição havia chegado. Aquele homem, forte e grande, cujo rabo mais parecia um barril e cujo tronco tinha a largura de um penedo granítico, levantou o cambalido e colocou-o a cavalo.

Desconsolado, quase envergonhado, o Velho baixou os olhos.

- Chegou a minha hora.

Declarou que a sua carreira de soldado estava no fim. Ninguém sabia quantos anos ele já vivera, mas Ramiro calculava que ele tivesse mais de oitenta invernos no lombo, pois combatera com El Cid sessenta anos antes.

Agora dizia-se farto de piolhos e feridas, epidemias e casotas, empalados e decapitados.  


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