terça-feira, junho 07, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)



Episódio Nº 26

















É tempo de morrer em paz. Vou para casa.

Os outros não conheciam a sua terra mas o Velho anunciou que iria para o norte e Ramiro aceitou a decisão dele pois não se devia contrariar um homem daquela idade.

Ele tinha o direito de falecer onde desejasse e o bastardo de paio Soares decidiu que o acompanharia até Coimbra onde iria reportar a Afonso Henriques a macabra descoberta que tinha feito nas margens do Nabão.

Na madrugada seguinte, em Soure, o Velho despediu-se emocionado dos seus companheiros templários e Ramiro mandou-o subir para o seu cavalo.

Estavam curtos de animais, iriam os dois juntos, como faziam os Pobres Cavaleiros de Cristo na Terra Santa.

Enciumado por os ver tão próximos, o Rato atirou-lhes um adeus e avisou Ramiro que tivesses cuidado no regresso, temendo uma emboscada sarracena. Porém, o bastardo de Paio Soares nem reagiu.

No calor das suas clandestinas ternuras, Ramiro garantia sempre ao Rato que, depois das surras que o pai lhe dera em criança, nunca mais tivera medo de nada nem de ninguém.



Coimbra, Julho de 1132



Ramiro ajudou o Velho a desmontar, no pátio em frente da Sé, sentindo que em seis anos de convívio se forjara entre eles uma lealdade verdadeira.

Agora, os seus caminhos divergiam, embora o Velho parecesse já arrependido da decisão que tomara. Em voz pesarosa, reconheceu que iria sentir saudades da camaradagem da Ordem do Templo.

Ramiro confortou-o e depois de um abraço final subiu pelas escadas de granito da igreja de Coimbra.

Em passo lento, o Velho afastou-se curvado, arrastando os pés, mas uns metros à frente já sorria, embora se tenha mantido encolhido, não fosse alguém vê-lo.

O seu talento para a mistificação continuava intacto, enganara bem os colegas. Aproveitando um momento de distracção destes, simulara uma queda desamparada, fingira-se abalado e dorido e apresentara a decisão da partida como inevitável.

Por respeito, os companheiros aceitaram-na, crédulos como sempre. Ninguém desconfiara dele e, ao longo de seis anos, fizera por isso.

Alistara-se naquela Ordem a mando de Fernão Peres de Trava que era o seu senhor e lhe dera instruções para se manter vigilante em Soure. O Trava queria um homem da sua confiança integrado secretamente naquela congregação, para acompanhar a busca da relíquia sagrada trazida pelo conde Henrique da Terra Santa.


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