terça-feira, junho 21, 2016

TIETA DO AGRESTE
(Jorge Amado)




EPISÓDIO Nº 170




















DA MORTE E DO BORDÃO



O velho Zé Esteves morreu de alegria, conclui Tieta ao tomar conhecimento dos detalhes finais. Caíra morto envolto em riso quando, tendo fechado negócio para a compra da terra e do rebanho, voltou ao curral com Jarde Antunes e seu filho Josafá. Não fizera por merecer morte assim tão leve, segundo o comentário do genro, em cuja casa se realiza o velório. Astério murmura a medo aos ouvidos do amigo Osnar:

- Ruim como a peste. Botou fora tudo que tinha mas nem com a pobreza baixou a crista, vivia dando esporro em todo o mundo. De repente, esse farturão, Tieta lhe satisfazendo todas as vontades e ainda por cima as cabras, deu nisso.

Conversam no passeio, a sala repleta. Pela janela, enxergam Tonha, numa cadeira ao lado do caixão. Ali sentada, obediente, silenciosa, às ordens do marido como durante toda a vida. Astério Simas conclui, olhando a sogra:

- Um carrasco. Perto dele ninguém levantava a voz. Nem Perpétua, - Rectifica: - Só Antonieta. Dizem que desde menina.

Do outro lado do esquife, Perpétua leva o lenço aos olhos secos, arfa o peito em inexistentes soluços, enquanto na cozinha, assistida por dona Carmosina, Elisa prepara café e sanduíches para ajudar a travessia da noite.

Acontecera no caminho de Rocinha, em terras de Jardes Antunes, nas encostas de um morro, cabeços de capim ralo, figos da índia, penhascos, paisagem agreste e áspera, própria para os pés e olhos de Zé Esteves, nativo daquele chão.

 O rebanho bem tratado, dando gosto ver. Zeloso, Jarde, cuida pessoalmente dos bichos e da mandioca desde o raiar do sol. Seu pedaço de terra limita com a propriedade de Osnar, onde a mandioca, o milho, o feijão, as cabras, as ovelhas e os trabalhadores são administrados pelo compadre Lauro Branco, que com certeza o rouba nas contas mas lhe dá descanso e despreocupação, uma coisa pagando a outra e, ao ver de Osnar, por preço ainda assim barato.

Josafá, caboclo forte, de olhar arteiro, ouve o pai falando das cabras e do bode, sabe quanto lhe custa a decisão finalmente tomada, e se pergunta a razão e se pergunta a razão como Jarde e Zé Esteves são de tal maneira apegados a uma terra safara e ingrata, de áridos outeiros carecas, a uns bichos ariscos.

Ainda adolescente, a exemplo dos demais rapazes do Agreste, Josafá abandonara os pais e a casa de barro batido, rumando para o sul. Começara varrendo o armazém de seu Adriano, em Itabuna; em dez anos chegara a sócio e realizou o sonho da sua vida: adquiriu uma roça de cacau, pequena ainda, produzindo por volta de quinhentas arroubas, mas um bom começo.

Isso sim, valia a pena, lavoura de rico. Cultivar cacau era o mesmo que plantar ouro em pé para colher em barras, duas vezes por ano. Mandioca e cabras, labuta de pobretões.

Todos os anos, por ocasião das festas de Natal e Ano-Novo, Josafá, bom filho, visitava os pais.

Há dois anos a mãe morrera e desde então tenta convencer Jarde a vender posse e rebanho e ir com ele para Itabuna; se não pode viver longe do campo, venha ajudá-lo na roça de cacau, nas terras fartas de Itabuna.

O pai resistia, não desejando mudar de chão mesmo por outro mais fértil, cacau em lugar de mandioca, bois e vacas em lugar de cabras.

Mas desta vez, ao chegar, Josafá ouve notícias das transformações e novidades de Agreste. Armou-se então de tais argumentos que Jarde não teve como contestá-lo, inclusive porque lhe fez ver ser ele, Josafá, proprietário de metade daqueles bens, herança da mãe.

Fê-lo a contra gosto mas não podia perder aquela oportunidade de ganhar um dinheiro realmente grande para aplicar em novas roças de cacau. Curvou-se o velho na casa do sem jeito.

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