(Domingos Amaral)
Episódio Nº 36
Coimbra. Julho de 1132
A meio da manhã, Zaida vira
Ramiro entrar na Sé e assustara-se. Invadida pelo temor de ser apanhada, fora a
casa deixar o punhal de Paio Soares, voltando a correr à biblioteca, pois
estava prestes a fazer uma importante descoberta.
Três anos, no dia da morte
de Zulmira, a mais nova das princesas aproveitara a tremenda confusão que se
instalara no casão agrícola de Mem para roubar o punhal com que Afonso
Henriques matara o fedayin.
Com um gesto rápido
escondera-o no vestido e depois levara-o para casa.
Aquela valiosa arma cujo
proprietário era o falecido Paio Soares tinha um escrito essencial em latim e
no cabo, cujo significado Zaida conhecia: Sellium, o local onde estava
escondida a relíqui a.
Contudo, apenas dois anos
depois da morte da mãe o bispo Bernardo voltara a autorizar as suas visitas à
biblioteca da Sé e só aí a sua secreta demanda começara.
Enquanto lia os Actos dos
Apóstolos, ia vasculhando os antigos mapas romanos e acabara de descobrir que
Sellium ficava a nordeste de Santarém, perto da pequena aldeia de Tomar.
A princesa sentiu uma forte
comoção, mas enrolou o antigo mapa e preparava-se para regressar a casa quando
ouviu alguém levantar a voz na nave central da Sé.
Pé ante pé, aproximou-se e
deixou-se ficar numa ante – câmara.
Os conselheiros de Afonso
Henriques parlamentavam e ela escutou, siderada, a proposta de Ermígio Moniz.
Filha, que diz ele? Não acredito!
Pela primeira vez, alguém na
corte de Afonso Henriques admitia a hipótese de as libertar! O mordomo – Mor
sugeria uma troca entre cristãos e mouros: a relíqui a
pelas princesas de Córdova!
O seu coração acelerou ainda
mais, mas logo se desiludiu, pois Afonso Henriques rejeitou a solução e decidiu
lançar um fossado na região.
Apesar de desejosa de
abandonar a Sé, foi, porém, obrigada a esperar pois após a partida de Afonso
Henriques e dos seus conselheiros, Ramiro e bispo Bernardo regressaram ao
interior da igreja.
Nada surpreendida ela
escutou a estranha e longa confissão do templário, embora o seu espírito
estivesse já totalmente dominado por uma vertigem excitada: a perspectiva da
liberdade!
As netas do último califa de
Córdova iam voltar à sua terra! Podiam ascender de novo ao trono que por tantos
séculos pertencera aos Benu Ummeyia, a família que ali reinara, da qual eram as
últimas representantes.
Nunca haviam estado tão
perto, o caminho para Córdova passava por Sellium e pela relíqui a sagrada!
Filha, é a hora!
Incapaz de se conter mais,
Zaida abriu a porta da ante – câmara e passou em frente de Ramiro e do bispo,
dirigindo-lhes apressadamente cumprimentos.
Depois, saíu e correu pela
Almedina até chegar a casa onde ela e Fátima viviam.
Mal entrou, ficou horrorizada.
O interior da habitação estava virado do avesso, havia lençóis espalhados pelo
chão, mobília fora do sítio e arcas abertas.
À sua frente, Fátima que
devia ter chegado um pouco antes parecia aborrecida com tanta confusão e
protestou:
- Que vos deu para deixares a casa neste
estado?
Aos poucos Zaida tomou
consciência de que a casa fora assaltada. Assustada dirigiu-se ao quarto e
apoderou-se dela um misto de ira e medo ao descobrir o que mais temia: o punhal
de Paio Soares que ela escondera numa arca desaparecera!
Filha, roubaram-vos!
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