segunda-feira, junho 20, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)





Episódio Nº 36

















Coimbra. Julho de 1132



A meio da manhã, Zaida vira Ramiro entrar na Sé e assustara-se. Invadida pelo temor de ser apanhada, fora a casa deixar o punhal de Paio Soares, voltando a correr à biblioteca, pois estava prestes a fazer uma importante descoberta.

Três anos, no dia da morte de Zulmira, a mais nova das princesas aproveitara a tremenda confusão que se instalara no casão agrícola de Mem para roubar o punhal com que Afonso Henriques matara o fedayin.

Com um gesto rápido escondera-o no vestido e depois levara-o para casa.

Aquela valiosa arma cujo proprietário era o falecido Paio Soares tinha um escrito essencial em latim e no cabo, cujo significado Zaida conhecia: Sellium, o local onde estava escondida a relíquia.

Contudo, apenas dois anos depois da morte da mãe o bispo Bernardo voltara a autorizar as suas visitas à biblioteca da Sé e só aí a sua secreta demanda começara.

Enquanto lia os Actos dos Apóstolos, ia vasculhando os antigos mapas romanos e acabara de descobrir que Sellium ficava a nordeste de Santarém, perto da pequena aldeia de Tomar.

A princesa sentiu uma forte comoção, mas enrolou o antigo mapa e preparava-se para regressar a casa quando ouviu alguém levantar a voz na nave central da Sé.

Pé ante pé, aproximou-se e deixou-se ficar numa ante – câmara.

Os conselheiros de Afonso Henriques parlamentavam e ela escutou, siderada, a proposta de Ermígio Moniz.

Filha, que diz ele? Não acredito!

Pela primeira vez, alguém na corte de Afonso Henriques admitia a hipótese de as libertar! O mordomo – Mor sugeria uma troca entre cristãos e mouros: a relíquia pelas princesas de Córdova!

O seu coração acelerou ainda mais, mas logo se desiludiu, pois Afonso Henriques rejeitou a solução e decidiu lançar um fossado na região.

Apesar de desejosa de abandonar a Sé, foi, porém, obrigada a esperar pois após a partida de Afonso Henriques e dos seus conselheiros, Ramiro e bispo Bernardo regressaram ao interior da igreja.

Nada surpreendida ela escutou a estranha e longa confissão do templário, embora o seu espírito estivesse já totalmente dominado por uma vertigem excitada: a perspectiva da liberdade!

As netas do último califa de Córdova iam voltar à sua terra! Podiam ascender de novo ao trono que por tantos séculos pertencera aos Benu Ummeyia, a família que ali reinara, da qual eram as últimas representantes.

Nunca haviam estado tão perto, o caminho para Córdova passava por Sellium e pela relíquia sagrada!

Filha, é a hora!

Incapaz de se conter mais, Zaida abriu a porta da ante – câmara e passou em frente de Ramiro e do bispo, dirigindo-lhes apressadamente cumprimentos.

Depois, saíu e correu pela Almedina até chegar a casa onde ela e Fátima viviam.

Mal entrou, ficou horrorizada. O interior da habitação estava virado do avesso, havia lençóis espalhados pelo chão, mobília fora do sítio e arcas abertas.

À sua frente, Fátima que devia ter chegado um pouco antes parecia aborrecida com tanta confusão e protestou:

 - Que vos deu para deixares a casa neste estado?

Aos poucos Zaida tomou consciência de que a casa fora assaltada. Assustada dirigiu-se ao quarto e apoderou-se dela um misto de ira e medo ao descobrir o que mais temia: o punhal de Paio Soares que ela escondera numa arca desaparecera!


Filha, roubaram-vos!

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