Tieta do Agreste
(Jorge Amado)
EPISÓDIO Nº 161
ONDE O AUTOR, UM SACRIPANTA, A PRETEXTO DE FORNECER DISPENSÁVEL INFORMAÇÃO, DEFENDE-SE DE SEVERAS CRÍTICAS
Não, não pensem que quero me meter na briga recém iniciada, quem sou eu? Já defendi a minha posição de completa neutralidade, narrador objectivo e frio, expondo factos concretos. Não venho tampouco comentar a visível mudança operada na maneira de ser do moço Ricardo. Apenas, mais uma vez constato a influência de uma perfumada e gostosa – como direi? –, de um perfumado e gostoso favo de mel, inebriante rosa negra. Transforma gelo em fogo, carneiro em leão, seminarista devoto em estudante subversivo e arruaceiro.
Outro dia, escandalizado, meu amigo e companheiro de lides literárias, Fúlvio D’Alembert (José Simplício da Silva, bancário, na mediocridade da vida civil e burguesa; se por acaso já forneci essa explicação, aqui a repito, antes de ser acusado de redundante do que de omisso), revelou-me que, em certos seminários, actualmente, os estudantes lêem e analisam Freud e Marx e não o fazem para negá-los, refutando-lhes as heréticas teorias, denunciando-os à polícia política à falta da Santa Inquisição; uma vale a outra.
Muito ao contrário, comentam-lhes os escritos entre elogios e aplausos. Não obstante a presença de Frei Timóteo no corpo docente, penso que os alunos do seminário de Aracajú não conheciam Marx e Freud nos idos de 1965 – data tão próxima, ainda ontem, parecendo contudo distante passado ante as transformações do mundo; ocorrem elas com tal rapidez que o tempo é jogado para trás, o presente se reduz a breve, fugaz instante.
O encontro com os hipies, as repetidas conversas com Frei Timóteo, uma e outra coisa concorreram para a inesperada evolução do jovem mas, em definitivo, o que o fez outro, virando-o pelo avesso, foi a olente rosa negra, o suculento favo de mel onde sequioso e faminto mergulhou e renasceu.
Emprego muito a propósito as imagens acima, rosa negra, favo de mel, metáforas destinadas a evitar palavras exactas e justas, seja por pernósticas, incompletas e feias as que não ofendem o pudor: vagina e vulva, por exemplo, terríveis palavrões; seja por criticáveis e condenadas as que exprimem com vigor, exactidão e poesia, a doçura, a graça, o calor, a eternidade, a perfeição: xoxota, xibiu , boceta. No texto anterior, ai de mim! – utilizadas e repetidas.
Meu confrade e crítico Fúlvio D’Alembert, a quem entrego as páginas escritas para correcção gramatical, conselhos estilísticos e acentos, recriminou-me asperamente pelo uso e abuso de tais termos, por colocá-los na própria escrita literária, enfeando a linguagem, emporcalhando a frase. Por que tanto repetir palavras obscenas, por que voltar seguidamente ao maldito tema em copiosas referências àquilo que ele trata pudicamente de aparelho genital da mulher?
Mas pergunto eu: como não falar de coisa tão importante na vida do homem? Por que lhe dar nomes ásperos e agressivos, poluindo-lhe a beleza e a graça? Por que lhe negar os doces apelidos nascidos da língua grata do povo?
Na mesa do bar, quando Aminthas, Fidélio, Seixas, o vate Barbozinha, o diligente Ascânio começam a discutir altas filosofias, a desovar altos conhecimentos em maratonas intelectuais, Osnar, chateado, a bocejar, protesta:
- Como vocês perdem tanto tempo discutindo essas besteiras, quando se pode falar de boceta, coisa adorável?
Osnar, afirma dona Carmosina, e nisso concordo com a sabichona, por vezes nos leva a alma.
Aproveito, aliás a referência à malta do bilhar para responder a outra restrição feita pelo caro e meticuloso Fúlvio D’Alembert à presente narrativa. Chama-me a atenção para o facto de não ter sido o leitor informado da profissão de três dos quatro compadres de contínua presença nas páginas deste melodramático folhetim.
Emprego muito a propósito as imagens acima, rosa negra, favo de mel, metáforas destinadas a evitar palavras exactas e justas, seja por pernósticas, incompletas e feias as que não ofendem o pudor: vagina e vulva, por exemplo, terríveis palavrões; seja por criticáveis e condenadas as que exprimem com vigor, exactidão e poesia, a doçura, a graça, o calor, a eternidade, a perfeição: xoxota, xibiu , boceta. No texto anterior, ai de mim! – utilizadas e repetidas.
Meu confrade e crítico Fúlvio D’Alembert, a quem entrego as páginas escritas para correcção gramatical, conselhos estilísticos e acentos, recriminou-me asperamente pelo uso e abuso de tais termos, por colocá-los na própria escrita literária, enfeando a linguagem, emporcalhando a frase. Por que tanto repetir palavras obscenas, por que voltar seguidamente ao maldito tema em copiosas referências àquilo que ele trata pudicamente de aparelho genital da mulher?
Mas pergunto eu: como não falar de coisa tão importante na vida do homem? Por que lhe dar nomes ásperos e agressivos, poluindo-lhe a beleza e a graça? Por que lhe negar os doces apelidos nascidos da língua grata do povo?
Na mesa do bar, quando Aminthas, Fidélio, Seixas, o vate Barbozinha, o diligente Ascânio começam a discutir altas filosofias, a desovar altos conhecimentos em maratonas intelectuais, Osnar, chateado, a bocejar, protesta:
- Como vocês perdem tanto tempo discutindo essas besteiras, quando se pode falar de boceta, coisa adorável?
Osnar, afirma dona Carmosina, e nisso concordo com a sabichona, por vezes nos leva a alma.
Aproveito, aliás a referência à malta do bilhar para responder a outra restrição feita pelo caro e meticuloso Fúlvio D’Alembert à presente narrativa. Chama-me a atenção para o facto de não ter sido o leitor informado da profissão de três dos quatro compadres de contínua presença nas páginas deste melodramático folhetim.
De Osnar se sabe a condição invejável de cidadão apatacado, vivendo de rendas; e os demais? Falou-se da tendência a humorista de Aminthas, do fanatismo pelo som moderno e do parentesco com dona Carmosina, nada disso definindo profissão ou fonte de receita.
Sobre Seixas, apenas referências às primas, um rol delas; de Fidélio nada se conta, fugidio indivíduo. Concordo com a crítica, confesso o erro, dou a mão à palmatória. Tem razão o amigo Fúlvio D’Alembert ao apontar-me a grave lacuna, a falta de informação assim importante, direi mesmo fundamental: o meio de vida de certos personagens.
A economia condiciona o mundo e dirige as acções humanas, ensina Marx aos seminaristas. Ou é o sexo, como aprendem em Freud? Confusão medonha. São os três, Aminthas, Seixas e Fidélio, funcionários públicos. O primeiro, federal, os outros dois, estaduais. A par da condição de servidores da Nação e do estado dos três rapazes, o leitor não mais os pensará desempregados, troca-pernas, boas vidas. Troca-pernas, boas-vidas, de acordo; desempregados, não.
Chego, por fim ao motivo único dessa minha intervenção. Desejo apenas informar os nomes dos cinco assinantes de A Tarde. São eles: Modesto Pires, o árabe Chalita, Edmundo Ribeiro, doutor Caio Vilasboas e seu Manuel Português. O sexto exemplar, como se sabe, vem, gratuito, para dona Carmosina, oferta da gerência.
Chego, por fim ao motivo único dessa minha intervenção. Desejo apenas informar os nomes dos cinco assinantes de A Tarde. São eles: Modesto Pires, o árabe Chalita, Edmundo Ribeiro, doutor Caio Vilasboas e seu Manuel Português. O sexto exemplar, como se sabe, vem, gratuito, para dona Carmosina, oferta da gerência.
Após a publicação da Carta ao Poeta De Matos Barbosa, a explosiva crónica de Giovanni Guimarães, o número de assinaturas passou de cinco a nove, dona Carmosina – ela sempre sai ganhando – embolsou polpuda comissão. Polpuda em termos de Agreste, naturalmente… Tudo no mundo é relativo, como diria Einstein, desconhecido dos seminaristas de Aracajú.
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