A praia do Vau - a das minhas férias no Algarve |
Fim das Férias
Aos setenta e sete anos já nada é como
era... Recordo a tristeza que era, quando em jovem, as férias se aproximavam do
fim.
A liberdade de fazer em cada dia, na
aldeia dos meus avós, o que me desse na real gana, a mim, ao meu irmão e aos
meus primos, todos também estudantes e igualmente de férias, os passeios, mergulhos
e petiscadas no rio Tejo, que passava ali próximo, ou as caçadas com ratoeiras aos desgraçados dos
passarinhos...
Sim, então eram férias... duravam todo
um verão, a gente espreguiçava e comia melancia para dentro de um alguidar a
meio da tarde. Melancia e férias, nessa fase da minha vida, andavam associadas.
Quando, então, descobri uma arca do meu
tio cheia de livros, dos tempos em que ele ainda era solteiro, as férias
ganharam outro interesse. Creio que o maior interesse meu pela leitura nasceu
nessas férias.
Viver os enredos, esperar pela última página
para, finalmente, saber quem era o assassino, passaram a preencher grande parte
do meu tempo das férias.
Nas férias do Natal, era o lagar de moer
azeitona e produzir azeite do meu avô, o local escolhido para me entreter. Acompanhava
todas as fases do processo quando muitas das operações eram ainda efectuadas
com recurso à mão-de-obra até que, finalmente, o azeite, dourado e lindo,
repousava na “tarefa” da qual saía em bilhas e garrafões para os clientes,
donos da azeitona.
Estamos a falar de férias como só
acontecem na juventude, quando se tem a sorte de as ter podido gozar numa
aldeia em que quase todos eram tios, primos e primas e estavam cheias de gente
que aí moravam, viviam, tinham as suas casas, as suas hortas, as suas
oliveiras, muitas delas pertenciam àqueles locais por nascimento.
Eram terras com vida própria, com a sua
personalidade, que rivalizavam com as outras suas vizinhas, que tinham festas
próprias e bailes de sábado à noite, animados por um acordeonista que se
deslocava numa motorizada com o instrumento às costas.
Os rapazes circulavam por esses bailes
de bicicleta, alguns tendo já debaixo de olho alguma futura namorada, em
namoros vigiados pelas mães, como era próprio dos anos cinquenta.
Mas tudo isto era antigamente, quando os
tempos eram outros, havia aldeias, a vida processava-se a outros ritmos, a
sociedade e o mundo eram diferentes.
Hoje, as férias enfastiam-me, fora da
minha casa, do meu sofá, do meu enorme ecrã de televisão e do meu computador.
Sim, uma semana é o máximo tolerável. Talvez
a vitamina D me faça falta, admito, mas deixou de ser prazer, passou a obrigação,
do género receita médica a aviar na farmácia.
É o que fazem os anos... a roda da vida
está a dar a volta. Apreciamos, acima de tudo, estar vivos e não sermos
apoquentados por dores ou doenças.
O prazer da comida desapareceu, quanto
menos, melhor nos sentimos. As coisas boas de outros tempos, aquelas que nos
regalavam, continuo a apreciá-las mas agora basta-me prová-las.
O meu organismo, em legítima defesa, não
quer nem me pede mais comida. Nos últimos quatro meses perdi sete qui los e acredito que, com o tempo, ainda possa
perder mais.
Os visitantes do Memórias Futuras que
andem pelos anos que eu tenho, devem perceber, se é que o não sabem já, que os
problemas entram pela boca e, com a idade esta é uma verdade que faz, cada vez
mais, a felicidade dos médicos e a fortuna das farmácias.
Eu costumo dizer às pessoas minhas
amigas, que o estômago é um quarto de paredes amovíveis, que se alargam ou estreitam
consoante a quantidade de coisas que se põem lá dentro.
Tanto nos podemos sentir saciados com o
muito como com o pouco e nestas férias eu vi pessoas, já de cabelos brancos,
com pratos de comida à frente, ao jantar, que são um convite sério para uma
qualquer doença, para o apressar do fim...
Conheço o ditado popular do: - “Morra
Marta, Morra Farta” ou seja: a morrer que seja de barriga cheia, e como os
ditados reflectem a cultura popular que mergulha no passado, quando só os ricos
é que comiam e os pobres almejavam morrer de barriga farta, coisa que em vida
nunca tiveram, fica-se a perceber tudo.
E toda esta conversa para dizer aos meus
amigos que, tal como a comida, uma semana de férias que seja já me deixa
perfeitamente saciado.
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