(Domingos Amaral)
Episódio Nº 49
O Tougues correu ao quarto
de Chamoa bem fornecido de vinho, mas nem a visão da bebida amaciou o coração
da rapariga galega, que franziu a testa contrariada.
- Que desejais?
O primo recordou que fora no
Natal anterior que se tinham reaproximado. Era tempo de amizade outra vez!
Contudo, Chamoa revelou-se impenetrável e mirou-o em desafio.
Sei bem o que tramais com
nosso tio.
Mem Tougues estava preparado
para lhe revelar alguns segredos, tal era a ânsia de a possuir, mas não contara
que ela já os tivesse conhecido por outras vias.
Espantado ouviu Chamoa
afirmar:
- Afonso VII e Fernão Peres
vão atacar o castelo de Celmes!
O primo surpreendeu-se como
poderia ela já saber?
Fosse como fosse, Mem Tougues
farejou na situação uma oportunidade.
É verdade o que dizeis, bela
prima, mas eu sei mais do que isso...
A curiosidade da rapariga
acendeu-se de imediato e olhou-o de forma menos hostil, tendo depois desviado
os olhos para o vinho.
Desejai-vos que vos sirva? –
perguntou o primo.
Ofereceu-lhe um vaso cheio e
foi contando as intenções gerais de leoneses e galegos. Interessada, Chamoa
escutou-o e Mem Tougues tomou aquela atenção como desejo.
Já inebriado, cometeu um
erro fatal, confessando-lhe que o Trava tinha destinado o Velho para a vigiar a
toda a hora.
Mal o soube, Chamoa
abandonou a atitude conciliatória. A suavidade do seu rosto que regressara aos
poucos, desapareceu num ápice e nos seus olhos verdes nasceu uma ira primitiva.
- Sou prisioneira na minha
própria casa?
O Tougues tentou amansá-la,
seria só por uns tempos, até à primavera, era coisa pouca, ele próprio ficaria
sempre junto dela.
Se eu estiver convosco será
diferente! – defendeu.
Zangada, Chamoa desprezou o
argumento:
- Ou durmo convosco ou tenho um desconhecido à
perna?
Desesperado, Mem Tougues
tentou falar-lhe ao coração:
- Bela prima, não vos
preocupeis! Falemos do nosso filho comum.
Com brusqui dão, Chamoa interrompeu-o e gritou:
- Quem vos julgais? O único
que amo e desejo é Afonso Henriques!
Colérica, expulsou-o dos
seus aposentos, numa berraria estrondosa que obrigou a família a comparecer no
corredor para tentar acalmá-la, o que verdadeiramente só aconteceu quando Pêro
Pais, seu filho mais velho, surgiu de repente e lhe pegou na mão ao mesmo tempo
que ordenava aos restantes presentes:
- Deixai minha mãe em Paz!
Com convicção conduziu
Chamoa para dentro do quarto e fechou a porta, deixando o resto da família
pasmada com a forma imperativa como falava, que todos consideraram prematura
numa criança que nem seis anos tinha.
Só a venenosa Elvira Peres
de Trava não se espantou, perguntando maldosamente ao Tougues:
- Sobrinho, não haveis dado vinho suficiente a
Chamoa?
Se a minha sogra pensava que
mais bebida teria amansado a determinação zangada da filha, estava bem
enganada. Naquela noite, a imensa fúria de Chamoa iria levá-la a tomar uma
decisão totalmente inesperada.
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