A namoradinha que nunca tive,,, |
A Namoradinha
que nunca tive
que nunca tive
Ver o comportamento dos jovens de hoje nas noites de 6ª F.ª constitui a forma mais chocante e violenta de me sentir velho, fora do tempo que passa, ou numa terra estranha onde devo ter aterrado de pára-quedas no dia anterior e na qual não me reconheço.
Normalmente,
a tendência das pessoas que chegam à fase da velhice - não percebo porque esta
palavra mete medo a tanta gente e a trocaram por essa coisa da 3ª idade ou,
pior ainda, por sénior - é o de recordarem os tempos de namoro da sua juventude
como tendo sido os melhores deste mundo, e eu entendo isso muito bem porque
sou da idade deles e as pessoas da mesma geração, naturalmente, compreendem-se
melhor.
Mas
do que, normalmente, eles não se dão contam é que esses elogios não têm a ver
com os “tempos” mas antes com a juventude, a sua juventude, ela é que era boa,
tão boa, que até as coisas más de quando fomos jovens agora nos parecem boas.
Realmente,
a juventude potencia a vida, os obstáculos não passam de desafios e os
desgostos, sejam quais forem, esquecem-se e ultrapassam-se muito rapidamente
porque, para isso, lá está a primavera da vida com as campainhas a tocarem por
todo o lado chamando-nos ao dia seguinte que espera por nós…
Mas
aqui lo que nos foi feito pelos
nossos pais e educadores, na década de quarenta e cinquenta, que coincidiu com
a minha juventude, foi uma grande maldade, só perdoável porque os meus avós, com
eles, ainda fizeram pior.
A
separação forçada a que os jovens de sexo diferente estavam sujeitos constituiu
um atentado e uma violação não só aos direitos da minha juventude mas, ainda
mais grave, à minha própria natureza e de todos os jovens da minha geração, em
maior ou menor grau, vítimas dessa autentica crueldade.
Quando
estudava no Colégio Nuno Álvares, em Tomar, bem poderia desejar ver, a caminho
da Igreja para a missa de Domingo, nem que fosse ao longe, as minhas colegas do
Feminino, também elas internas do Colégio num outro edifício.
Mas
em vão, porque não só as Missas eram a horas ligeiramente diferentes como os
percursos eram também outros.
Contactos
de proximidade e intimidade só com as mulheres da vida que nos esperavam nas
casas, ditas de “meninas”, algumas delas passajando roupa de vestir, quem sabe,
as calças de algum filho que talvez tivesse a nossa idade ou até mesmo mais
velho.
Essas
insípidas experiências de sexo, feito com uma mulher que tinha idade para ser
nossa mãe constituíam atentados efectuados por nós próprios à nossa
sensibilidade de jovens e eram sempre de muito má recordação.
Eram
relações muito desiguais: de um lado, a mulher profissional, experiente,
madura, por vezes maternal, do outro, a inexperiência, a juventude ainda feita
meninice com um pouco de vergonha à mistura… e para quê?
O
que um jovem necessita para o seu desenvolvimento saudável é o de se envolver
num namoro com uma rapariga da sua simpatia e com ela sair, conviver e
expressar-lhe os seus sentimentos na sequência de um processo que, sabemos
hoje, começa a desenvolver-se aos oito anos de idade e envolve circuitos de
neurónios, hormonas e muitos outros químicos à mistura.
Há
uns bons anos atrás, uma senhora pretensiosa, minha colega de trabalho em
Moçambique, desabafou comigo, muito orgulhosa, porque tinha dado dinheiro ao
filho, já rapazola, para ir às meninas. Pobre senhora, tinha as ideias todas
baralhadas na cabeça…
Mas,
voltando à minha juventude, eu não sabia nada, era apenas uma alma romântica,
de resto, ninguém sabia nada, para além de que quase todas essas coisas eram
pecado e a castidade é que era boa e fazia bem à saúde para além de agradar a
Nosso Senhor, segundo me tinham dito num colégio de padres em que tinha andado.
O
meu colega José Augusto, que jogava futebol na equi pa
do Colégio e por isso era conhecido das meninas do Feminino que eram
autorizadas a assistir aos jogos num sector das bancadas que lhes era
reservado, devidamente acompanhadas e vigiadas, ficou interessado na irmã do
Peixoto, nosso colega, também ela interna, talvez por cumplicidade com o irmão que era seu amigo, ou por um
qualquer olhar mais penetrante da bancada para o campo ou do campo para a
bancada, não se sabe: As setas do Cupido têm percursos muito caprichosos...
Fui
então escolhido para redigir a carta do pedido de namoro o que aceitei com
grande regozijo interior mas aparente indiferença sem que, no entanto, me
tivesse feito demasiado caro não fosse ele desistir da carta.
Com
todas aquelas barreiras e obstáculos que existiam entre rapazes e raparigas, eu
nem de vista conhecia a irmã do Peixoto mas, desde quando, um jovem romântico
de dezasseis ou dezassete anos, precisa de conhecer uma rapariga para lhe
escrever uma carta de amor?
Não
faço nenhuma ideia se o José Augusto veio a casar com a irmã do Peixoto, se
tiveram muitos meninos e hoje um rancho de netos mas, se tal não aconteceu, não
foi por causa da carta, que depois de ter conseguido chegar ao destino, com a
cumplicidade de outros jovens, foi lida pela destinatária que lhe respondeu de pronto, na volta do mensageiro, com os olhos ainda cheios de lágrimas de amor e
paixão, conforme as suas próprias palavras.
Não
está certo, não é justo, não foram os lindos olhos dele, foi a minha carta,
foram as minhas palavras que desencadearam nela os sentimentos de amor e
paixão… mas foi ele que ficou com a namorada... e isto é batotice.
Fosse
a vida o Jogo da Glória, a pedra que me representa como jogador voltaria para
trás, à casa do Namoro, e recomeçar-se-ia novamente a lançar os dados.
Ah!…
dizem vocês, mas se assim fosse serias o último a chegar à Meta e eu respondo:
- “quero
lá saber, muito mais importante do que chegar primeiro à Meta é ficar na casa
do Namoro porque a volúpia de uma paixão aos dezassete anos de idade, dá muito
mais prazer do que cortar a porcaria da Meta e não duvidem de mim porque sei do
que falo… ainda hoje morro de saudades pela namoradinha que nunca tive.
A
vida é, em grande parte, um jogo, apenas as regras são diferentes consoante os
locais e a época em que se vive, e os factos descritos não os teria vivido se
não estivéssemos então nos anos pouco gloriosos de 1950/60, completamente
dominados por uma mentalidade de sacristia, bolorenta e doentia, que então
predominava na nossa sociedade.
A
separação contra natura dos sexos aconteceu nas nossas sociedades machistas e
favoreceu escandalosamente os homens que, a propósito dessa separação,
reservaram para as mulheres as tarefas discretas do lar e da família ficando
eles com os privilégios dos trabalhos mais nobres.
De
há muito que entre nós a situação se alterou.
Rapazes e raparigas convivem hoje
lado a lado desde os bancos da escola até ao último grau da vida académica,
vestem as mesmas fardas e participam nas mesmas guerras.
Hoje,
são elas que dominam em todos os lugares da Administração Pública com excepção,
ainda, dos pontos chaves do Poder Político e isto porque são mais trabalhadoras
e perseverantes na linha de uma tradição evolutiva da nossa espécie em que o
segredo do sucesso talvez tenha estado mais nelas do que em nós, homens.
...
mas que raio de saudades eu tenho da namoradinha que nunca tive…
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