a Cidade
dos “Grafites”
"OS AMANTES, COMO AS ABELHAS, O
DOCE BUSCAM ANTES ASSIM FOSSE!"
Esta frase, escrita num mural em Pompeia, foi tema para uma tese
de doutoramento que procurou desligar o amor dos homens e das mulheres de
Pompeia de uma sina persistente de que era fugaz e furtivo e que a devassidão e
a lasciva permeariam os seus encontros.
Os pesqui sadores
modernos mostram que essa visão não corresponde à realidade, está distorcida, e
foi constituída com a ajuda da aristocracia da época cuja obra literária
insistia em colocar o povo na condição de pervertido e imoral.
Os estudos efectuados recentemente sobre a sexualidade e o
afecto entre a camada popular de Pompeia, para além de se fundamentarem na
história e literatura da época, analisaram também os “grafites” encontrados nos
locais arqueológicos, centenas deles escritos por homens e mulheres que
expressavam nas paredes e nos muros da cidade, as suas alegrias, decepções,
ciúmes, tentativas de reconciliação, rusgas amorosas, ou seja: situações e
sentimentos em tudo iguaizinhos aos de hoje.
Pompeia era um centro comercial do Império romano, a sua 2ª
maior cidade, dispondo, inclusivamente, de um porto e a sua população era
constituída por filhos da cidade, peregrinos, trabalhadores livres, escravos e
libertos, homens e mulheres que dividiam entre si o mesmo espaço de trabalho
que muitas vezes era também a sua casa.
Nesses muros estão referidos imensos ofícios e associações
profissionais: alfaiates, professores, vendedores de roupas, jóias, frutas,
taberneiros, cocheiros, pequenos proprietários de padarias e tabernas.
Partilhavam os momentos de lazer e os casais interagiam e o
masculino, longe da autoridade e poder, construía-se em conformidade com o
feminino.
Pompeia é hoje um museu a céu aberto e guarda imensas evidências
materiais da participação feminina na dinâmica social e económica da cidade que
vivia, não esqueçamos, sob o jugo do Império Romano sendo que, os historiadores
concordam que à data se estava a assistir a um período de emancipação social e
sexual das mulheres romanas, principalmente das aristocráticas.
E é neste universo de igualdade que os populares usavam os muros
e as paredes para registarem factos do seu quotidiano como anúncios, recados,
insultos, sátiras a políticos e declarações amorosas do género:
- “Marcos ama Espedusa;”
- “Marcelo ama Pernestina
e não é correspondido”
Ou então:
- “Viva quem ama, morra
quem não sabe amar! Duas vezes morra quem proíba o amor!”
Mas as paredes registavam também que as mulheres tomavam a
iniciativa no campo amoroso:
- “Rogo-te. Desejo teu
doce vinho e desejo muito. Colpurnia te diz Saudações”
- “Não vendo meu homem
por preço algum”
Havia relações sólidas e duradouras como se percebe por estes
escritos:
- “Segundo como Primigénia,
de comum acordo”
- “Balbo e Fortunata os
dois em comum”
Vénus, a deusa do amor, foi nomeada a protectora da cidade
quando da sua anexação ao Império Romano e por isso ela está presente em muitos
escritos:
- “Se tem alguém que não
viu a Vénus que pintou Apeles, que olhe a minha garota: é tão bonita quanto
ela”
Foram catalogadas até agora quase 15.000 grafites (de
“graphium”, o instrumento utilizado para escrever, feitos de metal com uma
ponta dura capaz de marcar a parede fazendo sulcos) mas o seu número é muito
maior e estavam espalhados por todo o lado, nas paredes das casas, edifícios
públicos, tabernas, locais de trabalho, etc.
Os “grafites” encontrados teriam, no máximo, 20 anos à data da
destruição da cidade e isto porque havia limpezas periódicas dos espaços de
publicidade e as próprias intempéries faziam também esse trabalho, e vieram
provar que a maioria da população era alfabetizada escrevendo numa língua que
era uma mistura do latim com o nativo osco dando lugar a um latim popular que
tinha as suas diferenças relativamente ao latim oficial.
Do estudo atento desses “grafites” ficou igualmente comprovado
que, para além de uma generalizada alfabetização, havia uma difusão da cultura
literária fora das elites pelas citações nesses escritos a homens da cultura
como Homero, Vergílio, Tiburtino Catulo, Lucrécio, Prupércio entre outros.
Não se sabe como é que o povo tomou conhecimento deles, talvez
na escola, em contactos com os emigrantes, no comércio, no serviço militar, nas
representações teatrais dos circuladores que eram pessoas faziam
entretenimentos itinerantes.
Em Pompeia, o sexo, representado por um falo, estava por todo o
lado, nas paredes das casas de habitação para significar prestígio, riqueza e
abundância, no chão das ruas para indicar a direcção para os prostíbulos, nos
campos como sinal de fertilidade, nos amuletos para protecção.
Era, portanto, um símbolo ligado à fertilidade e à vida para dar
sorte e protecção e ao mesmo tempo defender dos maus-olhados.
As escavações que trouxeram de novo à luz do sol a cidade de
Pompeia soterrada em 79 DC pelas cinzas do Vesúvio mostraram que os objectos
relacionados com o sexo não se encontravam apenas nos prostíbulos mas nos mais
variados ambientes como templos religiosos, residências ou edifícios públicos.
Ou seja, para o mundo romano, a sexualidade tinha também um
significado religioso e era entendida como um símbolo de abundância e
fertilidade.
O amor impresso nas paredes é imanente à vida como comer e
dormir e deste sentimento também faz parte a união sexual e suas práticas.
O sexo em Pompeia não era mais nem menos do que noutras
localidades e o estudo atento dos escritos que as pessoas do povo deixaram
profusamente por toda a cidade sob a forma de “grafites” foi muito importante
para comprovar que era falsa a concepção de que a sociedade pompeiana era
sexualmente devassa e perversa.
Diz a investigadora Lourdes Feitosa:
- “As inscrições teimam em
fugir da camisa-de-força da inactividade, da apatia social, do preconceito e do
obscurantismo com que ainda tem sido tratada a questão da sexualidade e da
actuação social dessa significativa parcela da população romana”
Ao contrário do que aconteceu nos estudos de outras civilizações, em
Pompeia não foram encontradas representações explícitas dos órgãos sexuais
femininos sozinhos pois a ideia da fertilidade era representada pelo falo.
A mulher, para a sociedade de Pompeia, era o recept áculo da semente masculina o que, no entanto, não
a terá reduzido a um papel de submissão durante o acto sexual pois em muitas
imagens elas aparecem numa posição superior durante a cópula.
A prostituição era então considerada como um mal necessário porque
ajudava a garantir a virtude das damas cuja vida sexual, na sociedade das
elites, na esmagadora maioria das vezes, estava reduzida à função reprodutora.
Quando o poeta Ovídeo publicou, no ano 2 AC, a obra “A Arte de Amar”, as suas
ideias de que o sexo deveria contemplar o prazer mútuo foram consideradas
subversivas o que revela o carácter predominantemente machista e conservador de
Pompeia contrariando em absoluto a concepção de uma sociedade devassa e
promíscua que, de uma forma errada, lhe pretenderam colar".
Nota - Tive oportunidade de conhecer Pompeia
numa visita guiada acompanhado de uma boa Guia Turística. As raízes da nossa
sociedade e de muitos dos nossos usos e costumes encontrámo-las ali, naquela lágrima do tempo, imortalizada pelo vulcão para que, dois mil anos depois, possamos disfrutar dela! Tão longe e tão
perto...
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