sábado, setembro 03, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 76





















Já sozinho num canto, ainda de espada na mão, Gonçalo de Sousa examinou o horizonte, onde se via a tenda do rei. Fechou os olhos. A sua hora chegara e pensou em Zaida e no seu amigo Afonso Henriques.

Teria sido isto que o príncipe de Portugal desejara, uma morte prematura mas honrada, para poder afastá-lo para sempre da bela princesa moura?

- Largai a espada, gritou o Trava. Tenho ordens de Afonso VII para vos poupar, embora não seja o meu desejo!

Num ímpeto vertiginoso, que por vezes assolam os que viram morrer à sua volta tantos solidários companheiros, Gonçalo levantou a espada e prometeu luta, mas o Trava avisou:

 - Sereis empalado se não vos renderes!

Cerrando os dentes, com o coração cheio de ódio por aquele galego nefasto, Gonçalvo de Sousa revelou o seu habitual espírito e gritou:

 - Os portucalenses têm o cu duro, canalha!

Sem medo, avançou para os inimigos e ainda furou dois, mas rapidamente foi atirado ao chão e desarmado. Já paralisado, obrigaram-no a assistir à degola póstuma dos portucalenses que ali tinham subido com ele, os últimos resistentes de Celmes.

Olhai o que faço aos vossos! – gritou o Trava decepando um.

Mal habituado àqueles golpes, que normalmente deixava para os carrascos ou para os brutos, não conseguiu fazer saltar a penúltima cabeça portucalense e a sua espada ficou presa nos ossos do pescoço do desgraçado que berrou em agonia.

Triste, Gonçalo rezou uma curta oração pelo infeliz, mas depois cuspiu no chão, à frente do Trava e provocou-o:

 - Sois um merdoso, nem uma cabeça sabeis cortar!

Atingido na sua honra, Fernão Peres, enfureceu-se e obrigou um dos soldados a ceder-lhe uma lança. Apontou-a à barriga de Gonçalo e vociferou a babar de raiva.

Vejamos se as vossas tripas são duras como o vosso cu!

Uma voz imperativa ouviu-se então, mandando-o parar. Os olhares voltaram-se para a escada da torre de menagem, onde surgiu Afonso VII, que ao saber dos progressos da querela, entrara na alcáçova, examinado, perplexo, a bestial mortandade.

Qu8em vos deu ordem para tanta sangria? – gritou.

Fernão Peres justificou-se: os portucalenses não se rendiam, ainda agora Gonçalo matara dois galegos e mais mataria se não tivesse sido desarmado se não o tivessem desarmado.

Afonso VII abanou a cabeça, incrédulo declarando não ser possível que cinco mil dos seus, com o castelo conquistado, tivessem tanta ira aos portucalenses ao ponto daquela excessiva barbaridade.

Fosse como fosse, Celmes estava tomada. O monarca de regresso ao seu acampamento, mandou lançar fogo ao castelo depois de lá serem enterrados os mortos adversários.

A mensagem ao primo estava enviada e, antes de partir, o rei leonês obrigou o Trava a prometer levar Gonçalo até Guimarães, onde ele descreveria a Afonso Henriques o que ali se passara.

Mas nem isso o Trava fez. Quando a sua comitiva galega se separou do monarca, que regressava a Toledo, o tio de Chamoa limitou-se a transportar Gonçalo para Tui onde o colocou a ferros nas masmorras.

A sua sede de desforra ainda não ficara saciada com aquele sangue todo que empapara o granito das pedras de Celmes e, nos meses seguintes, Gonçalo de Sousa provou o fel que habitava a alma daquele cínico.

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