(Domingos Amaral)
Episódio Nº 76
Já sozinho num canto, ainda
de espada na mão, Gonçalo de Sousa examinou o horizonte, onde se via a tenda do
rei. Fechou os olhos. A sua hora chegara e pensou em Zaida e no seu amigo
Afonso Henriques.
Teria sido isto que o
príncipe de Portugal desejara, uma morte prematura mas honrada, para poder
afastá-lo para sempre da bela princesa moura?
- Largai a espada, gritou o
Trava. Tenho ordens de Afonso VII para vos poupar, embora não seja o meu
desejo!
Num ímpeto vertiginoso, que
por vezes assolam os que viram morrer à sua volta tantos solidários
companheiros, Gonçalo levantou a espada e prometeu luta, mas o Trava avisou:
- Sereis empalado se não vos renderes!
Cerrando os dentes, com o
coração cheio de ódio por aquele galego nefasto, Gonçalvo de Sousa revelou o
seu habitual espírito e gritou:
- Os portucalenses têm o cu duro, canalha!
Sem medo, avançou para os
inimigos e ainda furou dois, mas rapidamente foi atirado ao chão e desarmado.
Já paralisado, obrigaram-no a assistir à degola póstuma dos portucalenses que
ali tinham subido com ele, os últimos resistentes de Celmes.
Olhai o que faço aos vossos!
– gritou o Trava decepando um.
Mal habituado àqueles
golpes, que normalmente deixava para os carrascos ou para os brutos, não
conseguiu fazer saltar a penúltima cabeça portucalense e a sua espada ficou
presa nos ossos do pescoço do desgraçado que berrou em agonia.
Triste, Gonçalo rezou uma
curta oração pelo infeliz, mas depois cuspiu no chão, à frente do Trava e
provocou-o:
- Sois um merdoso, nem uma cabeça sabeis
cortar!
Atingido na sua honra,
Fernão Peres, enfureceu-se e obrigou um dos soldados a ceder-lhe uma lança.
Apontou-a à barriga de Gonçalo e vociferou a babar de raiva.
Vejamos se as vossas tripas
são duras como o vosso cu!
Uma voz imperativa ouviu-se
então, mandando-o parar. Os olhares voltaram-se para a escada da torre de
menagem, onde surgiu Afonso VII, que ao saber dos progressos da querela,
entrara na alcáçova, examinado, perplexo, a bestial mortandade.
Qu8em vos deu ordem para
tanta sangria? – gritou.
Fernão Peres justificou-se:
os portucalenses não se rendiam, ainda agora Gonçalo matara dois galegos e mais
mataria se não tivesse sido desarmado se não o tivessem desarmado.
Afonso VII abanou a cabeça,
incrédulo declarando não ser possível que cinco mil dos seus, com o castelo conqui stado, tivessem tanta ira aos portucalenses ao
ponto daquela excessiva barbaridade.
Fosse como fosse, Celmes
estava tomada. O monarca de regresso ao seu acampamento, mandou lançar fogo ao
castelo depois de lá serem enterrados os mortos adversários.
A mensagem ao primo estava
enviada e, antes de partir, o rei leonês obrigou o Trava a prometer levar
Gonçalo até Guimarães, onde ele descreveria a Afonso Henriques o que ali se
passara.
Mas nem isso o Trava fez.
Quando a sua comitiva galega se separou do monarca, que regressava a Toledo, o
tio de Chamoa limitou-se a transportar Gonçalo para Tui onde o colocou a ferros
nas masmorras.
A sua sede de desforra ainda
não ficara saciada com aquele sangue todo que empapara o granito das pedras de
Celmes e, nos meses seguintes, Gonçalo de Sousa provou o fel que habitava a
alma daquele cínico.
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