Há caras que não enganam... |
Ouvir dizer que
culpa é dos media, ou que a culpa é da comunicação social, ou que a culpa é do
jornal A, e do telejornal B é o Pão - Nosso de cada dia de qualquer jornalista.
E muitas vezes com carradas de razão. Pelo menos aparentemente. Pelo menos até
ao dia em que Donald
Trump foi eleito Presidente dos EUA. Porque desta vez não
podem ser os maus da fita. A maioria da imprensa escrita e falada
norte-americana não só assumiu uma clara posição de oposição, como batalhou com
fúria nunca vista por revelar todos os argumentos e mais algum pelos quais o
candidato não merecia o voto.
Nunca um baú dos
tesourinhos perdidos foi tão remexido, e como o candidato é pródigo em frases
mortais, o que não faltaram foram citações capazes de nos tirar do sério.
Aliás, mesmo quando se limitavam a citar Trump, pareciam estar em campanha
contra ele porque, acreditávamos, ninguém se podia rever naqui lo que afirmava.
E, no entanto, Donald Trump ganhou.
O que demonstra,
provavelmente, que as pessoas só lêem aqui lo
que querem ler, só ouvem o que querem ouvir, e só acreditam naqui lo em que já acreditam. Ou naqui lo em que querem acreditar. Incluindo eu e o
leitor.
Escolhem por
isso criteriosamente quem lhes vai ao encontro dos pensamentos e convicções.
Compram o jornal que defende o seu credo, sintonizam a rádio que é da sua cor,
seguem a opinião de quem lhes é próximo, ligam o canal do comentador que diz o
que dizem. E nunca se põem em
causa. Quando não concordam, desvalorizam o outro, ou porque
é analfabeto, corrupt o, tem
interesses obscuros a defender, ou na melhor das hipóteses é ingénuo.
Nas redes
sociais ainda é mais fácil blindar tudo o que é dissonante: escolhem os amigos,
partilham apenas aqui lo com que
comungam, selecionam as fontes de informação para que nunca os desmintam.
O político que
entende como as coisas se fazem não luta contra moinhos de vento. Diz o que os
eleitores querem ouvir. Com habilidade, recorda Tim David, especialista em
comunicação, limita-se a deixar cair no colo do "cliente" ideias e
emoções simples, permitindo que seja depois ele a preencher os espaços que
ficam em branco. Trump
só precisa de falar de um "muro" que separe bons de maus, para que o
eleitor coloque do lado de fora da barreira os seus inimigos, presumindo que é
a eles que o candidato se refere. E quando a história é contada pelo próprio, é
natural que sufrague as suas próprias opiniões, diz Tim David.
Da mesma forma,
quando jurava devolver os EUA à grandeza, o candidato não explicava o que
entende por "grandeza", permitindo que cada um navegasse na maionese
como entendesse. Enquanto uns imaginam o regresso da supremacia branca, outros
sonham que perseguirá os homossexuais, deitará uma bomba atómica sobre os
terroristas ou plantará de novo a bandeira americana na Lua.
E não vale a
pena imaginarmos que a acefalia é coisa de americanos (embora não acreditemos
em quem diga o contrário), porque somos todos vítimas deste vício de forma que
alimentando o narcisismo nos ajuda a sentirmo-nos menos frágeis.
Não temos por
cá, felizmente, um Donald Trump, mas conhecemos bem a irritação que provoca
ouvir defender uma "verdade" que choca de frente com a nossa, e a
satisfação quando alguém põe por palavras aqui lo
que pensamos ou sentimos - "olha, ali está finalmente um tipo
inteligente", exclamamos eufóricos.
Moral da
história: afinal não são os média a manipular as pessoas, mas as pessoas a
controlá-los a eles. Ou, quando não conseguem, a demonstrar nas urnas o que
pensam deles.
Nota - Leiam, meditem e digam se não é assim! Agora, a América e o mundo vão pagar o preço das más escolhas! Ainda se aprendessem...
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