sexta-feira, janeiro 27, 2017

Mar me quer
(Mia Couto -  2º episódio)
















A gorda mulata não quer amolecer conversa. E tem razão, sendo minha vizinha desde há tempo. Ela chegou ao bairro depois da morte de meus pais quando herdei a velha casa da família.

Nessas alturas eu ainda pescava em longas viagens, semanas de ausência nos bancos de Sfala. Nem notava a existência de Luarmina. Também ela, logo que desembarcou, se internou na Missão, em estágio par freira. Ficou enclausurada nessas penumbras onde se murmura conversa com Deus.

Só uns anos mais tarde ela saiu dessa reclusão. E se instalou na casa que os padres lhe destinaram, bem junto à minha morada.

Luarmina costureirava - era seu sustento. Nos primeiros tempos, ela continuava sem se dar às vistas. Só as mulheres que entravam em seus domínios é que lhe davam conta. No resto, apenas me chegavam os perfumes de sua sombra.

Um dia o padre Nunes me falou de Luarmina, seus brumosos passados. O pai era um grego, um desses pescadores que arrumou rede em costas de Moçambique, do lado de lá da Baía de São Vicente. Já se antigamentara há muito. A mãe morreu pouco tempo depois. Dizem que de desgosto. Não devido da viuvez, mas por causa da beleza da filha.

Ao que parece Luarmina endoidava os homens graúdos que abutreavam em redor da casa. A senhora mal dizia a perfeição de sua filha. Diz-se que, enlouquecida, certa noite, intentou golpear o rosto de Luarmina. Só para a esfeiar e, assim, afastar os candidatos.

Depois da morte da mãe, enviaram Luarmina para o lado de cá, para ela se amoldar na Missão, entrega a reza e crucifixo. Havia que arrumar a moça por fora, engomá-la por dentro. E foi assim que ela se dedicou a linhas, agulhas e dedais. Até se transferir para a sua actual moradia, nos arredores de minha existência.

Só bem depois de me retirar das pescarias é que dei por mim a encostar desejos na vizinha. Comecei por cartas, mensagens à distância. À custa de minhas insistências namoradeiras, Luarmina já aprendera as mil defesas. Ela sempre me desfazia os favores negando-se.

- Me deixa sossegada, Zeca. Não vê que eu já não desengomo lençol?

- Que ideia Dona vizinha? Quem lhe disse que eu tinha essa intenção?

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