(Mia
Couto)
Sou feliz só por preguiça. A infelicidade dá uma trabalheira pior
que doença: é preciso entrar e sair dela, afastar os que nos querem consolar,
aceitar pêsames por uma porção da alma que nem chegou a falecer.
Levanta, ó dono das
preguiças.
E o mando da minha vizinha, a mulata Dona Luarmina. Eu respondo:
- Preguiçoso? Eu ando é a
embranquecer as palmas das mãos.
- Conversa de malandro...
- Sabe uma coisa, Dona
Luarmina? O trabalho é que escureceu o pobre do preto. E, afora isso, eu só
presto é para viver...
Ela ri com aquele modo apagado dela. A gorda Luarmina sorri só
para dar rosto à tristeza.
- Você, Zeca perpétuo,
até parece mulher...
- Mulher, eu?
- Sim, mulher é que senta em esteira. Você é o único homem que eu vi sentar em
esteira.
- Que quer, vizinha?
Cadeira não dá jeito para dormir.
Ela se afasta, pesada como pelicano, abanando a cabeça. Minha
vizinha reclama não haver homem com miolo tão miúdo como eu. Diz que nunca viu
pescador deixar escapar tanta maré:
- Mas você, Zeca: é que
nem faz ideia da vida.
- A vida, Dona
Luarmina? A vida é tão simples que ninguém a entende. É como dizia meu avô
Celestiano sobre pensarmos Deus ou não Deus...
Além disso, pensar trás
muita pedra e pouco caminho. Por isso, eu, um reformado do mar o que me resta
fazer? Aprendi nos muitos anos de pescaria: o tempo anda por ondas. A gente tem
é que ficar levezinho e sempre apanha boleia numa dessas ondeações.
- Não é verdade, Dona
Luarmina? A senhora sabe essas línguas da nossa gente. Me diga, minha Dona. Qual
é a palavra para dizer futuro?
Sim, como se diz futuro? Não se diz, na língua deste lugar de África.
Sim, porque futuro é uma coisa que existindo nunca chega a haver. Então eu me
suficiento do actual presente. E basta.
- Só eu quero é ser um
homem bom, Dona.
- Você é um aldrabom.
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