quarta-feira, julho 08, 2015

Nós perdeu tudo o que tinha
TOCAIA GRANDE
(Jorge Amado)




Episódio Nº 278



















Dodô tomou do passarinho com os olhos úmidos e o colocou sob a camisa junto ao peito para que se aquecesse. Somente então se interessou pela cadeira, único bem que lhe sobrava, pois do cancã não encontrou vestígio por mais houvesse demorado a procurá-lo.

16

Tição Abduim e Bastião da Rosa desceram juntos da casa do
Capitão onde haviam deixado as mulheres e os filhos, Cristóvão e Otília, em companhia de Maria Rosa, a menina dos tamanqueiros que iniciara a safra de partos no fim do inverno.

Tamancos ao sabor das águas afiguravam-se pequenos barcos enfrentando tempestades.

Junto ao pontilhão o carpina Lupiscínio montava guarda. Zinho buscara demovê-lo, inutilmente; decidira então fazer-lhe companhia. Bastião da Rosa, que trabalhara com Guido e Lupiscínio no dificultoso empreendimento, vangloriou-se:

 - Isso é que é obra de se tirar o chapéu. Viva nós, compadre
Lupiscínio! - O pontilhão era um dos orgulhos de Tocaia Grande.

- Até agora tá agüentando. Vamos ver pra diante. Onde ocês
tão indo?

 - Ver como o pessoal de lá tá se arranjando.

 - Nós vai trazer os meninos pra casa do Capitão -  Esclareceu o negro: - Por que ocê não vem com a gente? Pode ser de precisão.

- Vamos, Pai. - Insistiu o rapaz: - De que adianta ficar aqui? – Não adianta.

 Vai tu com eles.

- Vou não. Fico com vosmicê. A primeira pessoa que enxergaram na casa de farinha foi Coroca. Nos braços secos, a criancinha que aparara horas antes e a quem haviam dado o nome de Jacinta.

Espalhados no tacho, os demais recém-nascidos: as gémeas de Dinorá, os meninos de Hilda e Fausta. Faltava o de Isaura, ocupado a sugar o peito materno úbere escuro e túmido: o leite escorria farto.

Uns poucos homens: a maioria andava à procura da canoa.

Molecas e moleques, indóceis, ali contidos a duras penas. Um mundo de mulheres, silenciosas. Ambiente carregado, triste,
Bastião da Rosa pilheriou na intenção de desanuviá-lo:

- Bonita tachada de beijus!

Além de dois ou três moleques, apenas sia Leocádia, sentada na rosca da prensa, as pernas cobertas pela água, riu da brincadeira do mestre-de-obras. Ambrósio não achou graça, arrenegou:

- Nós vai levar muito tempo sem comer beiju, sem torrar farinha. A mandioca se acabou, os roçados o rio levou. Nós perdeu tudo o que tinha.

Sia Vanjé deu um passo em direção ao marido e, sem desdizê- lo, fechou-lhe a boca de lastimação. De que adiantava se queixar?

- Tá certo, meu velho, o rio levou um punhado de coisas:
as roças, o rancho, os bichos. Mas não levou tudo não. A terra tá aí, nós planta ela de novo, se Deus quiser.

Amâncio, um dos estancianos, ripostou:

- Parece que Deus não tá querendo. Se depender dele...


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