quarta-feira, agosto 10, 2016

TIETA DO AGRESTE
Jorge Amado)


EPISÓDIO Nº 171


























Ao saber da decisão da venda, anunciada por Josafá no Bar dos Açores e transmitida ao sogro por Astério, Zé Esteves se pôs imediatamente a caminho percorrendo os três quilómetros e meio a separar as terras de Jarde das ruas da cidade. O preço não lhe pareceu alto, apenas o pagamento tinha de ser à vista. De volta a Agreste Zé Esteves contou e recontou o dinheiro escondido, pé-de-meia escondido em cerca de doze anos, a partir do primeiro cheque enviado pela filha rica de São Paulo. Tem para pagar mais de metade mas ainda falta um bocado de dinheiro.

No mesmo passo retornou à presença de Jarde e Josafá. Propôs entrar com a maior parte e completar o restante mês a mês. Josafá recusou: quer o dinheiro todo de uma vez, não se dispondo a financiar nem um tostão. Por que não pede à sua filha? Para ela não é nada, uma ridicularia – perguntou enquanto o velho Jarde, calado, se retirava, deixando a conversa por conta dos dois.

Foi ver as cabras sob o sol, por seu gosto morreria ali, nos outeiros calvos perto dos bichos indóceis.

Pedir à filha, fácil de dizer, difícil de fazer. Zé Esteves coça a cabeça. Tieta no pouco tempo que leva em Agreste, comprara a mansão de dona Zulmira, uma das melhores residências da cidade, onde ele e Tonha vão viver como lordes, mandara nela fazer obras – na opinião de Zé Esteves dispensáveis, onde já se viu em Agreste moradia com dois banheiros, cada qual o maior? – adquiriu terreno em Mangue Seco onde construía casa de veraneio, gastos enormes, um dinheirão e tudo pago no contado. Tieta não mede despesas para ter conforto; toca o bonde para a frente, exigindo o melhor: móveis, utensílios, banheiras mandadas vir da Bahia. Banheiras, imagine-se! Para que diabo? Essa gente do sul não sabe mais o que inventar.

Quando Tieta quer uma coisa, não discute, vai pagando. Mas Zé Esteves nunca soube que ela quisesse encostas de morro plantadas de mandioca, outeiros de figo da índia e pedras onde saltam cabras. Josafá deu-lhe prioridade até ao dia seguinte. Não vendo outra solução, Zé Esteves almoça às carreiras, aluga o bote de Pirica, desce o rio para Mangue Seco.

- Por aqui meu Pai? Que foi que deu em vosmicê? – Tieta leva-o a ver a casinha quase pronta onde Ricardo, de brocha em punho, ajudando na caiação lhe pede a bênção. O velho repara no neto: o corneta desasnou, nem parece o rato da sacristia do começo das férias.

Tieta prossegue enquanto visitam a obra:

- Alguma novidade nos trabalhos da casa? Aperte seu Liberato, tome o exemplo de Cardo que botou o pessoal daqui para trabalhar a toque de caixa.

Quero dormir em nossa casa em Agreste, antes de ir embora.

E tu está querendo ir?

- Assim liguem a luz nova. Só espero a festa. Vim por um mês, vou passar quase dois, já pensou?

- Para a festa tu tem de ficar pois foi tu minha filha, quem botou essa luz em Agreste. A quem se deve agradecer o benefício? Tieta sente por trás do elogio, a agitação e o acanhamento do pai:

- A que veio, Pai? Me diga.

Quero tratar um assunto com você.

- Pois fale que eu lhe ouço.

- Aqui não – diz em voz baixa, apontando com os olhos Ricardo, os trabalhadores, a Toca da Sogra onde o Comandante Dário, que o acolheu à chegada, está estirado na rede, lendo.

- Então venha comigo, vamos ver se vosmicê ainda tem pernas para subir um cômoro.

O minúsculo maiô deixa à vista mancha escura e recente na parte interna na coxa de Tieta que explica: pancada de um caibro, ali, na obra. Ela e Ricardo, para dar o exemplo, trabalham de operários. Ouvindo a explicação, Ricardo sorri à socapa. Sorte o maiô cobrir a bunda, o ventre, o entre pernas. Recorda a voz da tia entre gemidos.

- Doido, tu não vai acabar me obrigando andar de calças compridas aqui na praia.

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