(Domingos Amaral)
Episódio Nº 59
Zakaria acalmou-lhe a
angústia: as princesas Fátima e Zaida continuavam vivas, mas também
prisioneiras de Ibn Henrik, nome que os muçulmanos davam a Afonso Henriques.
A região a sul de Coimbra
estava a ferro e fogo e Zakarias já não tinha com que pagar aos seus desleais
mercenários.
Aqui
não há ouro, murmurou a criada.
Era uma mulher mirrada pelo
tempo, com milhares de rugas na pele e o pescoço seco e rugoso como o de uma
galinha.
Usava um lenço na cabeça e
os seus olhos baços não pareciam não pareciam fixar o interlocutor,
provavelmente, já mal o via. Quando Abu manifestou a esperança de convencer
Ismar a ajudá-lo, ela deu a sua
concordância.
É dos nossos.
Sentaram-se num banco
corrido, no pequeno pátio da alcáçova.
O antigo ajudante militar de
Taxfin perguntou se era verdade que Sohba, a velha mulher de negro que vivia
perto de Soure, era a irmã gémea de Hishan Hisn, sendo, portanto, tia das
princesas.
Não sei, há tanto tempo que
não a vejo – respondeu a criada.
Décadas antes a gémea de
Hishan de Hisn, convencida que possuía artes mágicas, estivera na origem do
acidente que vitimara o seu irmão, pai das princesas.
Ao explodir bolas de fogo
espantara o cavalo, que se empinara, atirando o cavaleiro ao chão. A queda
partira o pescoço de Hishan que morrera sem sequer soltar um grito para grande
tristeza de Zulmira e suas filhas.
A velha criada suspirou:
- Depois desse terrível dia, Shoba fugiu para
os píncaros desta serra a que chamam de morena.
A criada ainda ouvira falar
dela mas, anos mais tarde, Zulmira e as duas princesas haviam partido para
Coimbra, acompanhando Taxfin, segundo marido de Zulmira, na primeira expedição
bélica imposta pelo califa Ali Yusuf.
Desde então, nunca mais se
ouvira falar ali da misteriosa e azarada bruxa.
- Desapareceu.
A guardiã de Hisn contou que
o almocreve, quando viera depositar no mausoléu o corpo de Zulmira, descrevera
os seus encontros com uma mulher semelhante, sempre vestida de negro que vivia
perto de Coimbra e vigiava à distância as raparigas. Essa mulher chamava-se
Sohba e o almocreve concluíra que era tia das princesas.
- Pode ser que Men esteja
certo... – sorriu a idosa.
Zakaria recordou que haviam
procurado Shoba em Santarém e nas redondezas, mas ninguém sabia dela.
Talvez tenha morrido –
sugeriu a criada de Hisn.
O cordovês não acreditava.
Shoba era uma mulher rija.
- Para onde poderia ir? –
perguntou.
A sua interlocutora ficou em
silêncio algum tempo, como se estivesse a desenterrar da memória algo custoso.
Depois disse:
- Para cá não veio, Córdova cheira-lhe a
morte.
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