quarta-feira, agosto 10, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)



Episódio Nº 59





















Zakaria acalmou-lhe a angústia: as princesas Fátima e Zaida continuavam vivas, mas também prisioneiras de Ibn Henrik, nome que os muçulmanos davam a Afonso Henriques.

A região a sul de Coimbra estava a ferro e fogo e Zakarias já não tinha com que pagar aos seus desleais mercenários.

Aqui não há ouro, murmurou a criada.

Era uma mulher mirrada pelo tempo, com milhares de rugas na pele e o pescoço seco e rugoso como o de uma galinha.

Usava um lenço na cabeça e os seus olhos baços não pareciam não pareciam fixar o interlocutor, provavelmente, já mal o via. Quando Abu manifestou a esperança de convencer Ismar a  ajudá-lo, ela deu a sua concordância.

É dos nossos.

Sentaram-se num banco corrido, no pequeno pátio da alcáçova.

O antigo ajudante militar de Taxfin perguntou se era verdade que Sohba, a velha mulher de negro que vivia perto de Soure, era a irmã gémea de Hishan Hisn, sendo, portanto, tia das princesas.

Não sei, há tanto tempo que não a vejo – respondeu a criada.

Décadas antes a gémea de Hishan de Hisn, convencida que possuía artes mágicas, estivera na origem do acidente que vitimara o seu irmão, pai das princesas.

Ao explodir bolas de fogo espantara o cavalo, que se empinara, atirando o cavaleiro ao chão. A queda partira o pescoço de Hishan que morrera sem sequer soltar um grito para grande tristeza de Zulmira e suas filhas.

A velha criada suspirou:

 - Depois desse terrível dia, Shoba fugiu para os píncaros desta serra a que chamam de morena.

A criada ainda ouvira falar dela mas, anos mais tarde, Zulmira e as duas princesas haviam partido para Coimbra, acompanhando Taxfin, segundo marido de Zulmira, na primeira expedição bélica imposta pelo califa Ali Yusuf.

Desde então, nunca mais se ouvira falar ali da misteriosa e azarada bruxa.

- Desapareceu.

A guardiã de Hisn contou que o almocreve, quando viera depositar no mausoléu o corpo de Zulmira, descrevera os seus encontros com uma mulher semelhante, sempre vestida de negro que vivia perto de Coimbra e vigiava à distância as raparigas. Essa mulher chamava-se Sohba e o almocreve concluíra que era tia das princesas.

- Pode ser que Men esteja certo... – sorriu a idosa.

Zakaria recordou que haviam procurado Shoba em Santarém e nas redondezas, mas ninguém sabia dela.

Talvez tenha morrido – sugeriu a criada de Hisn.

O cordovês não acreditava. Shoba era uma mulher rija.

- Para onde poderia ir? – perguntou.

A sua interlocutora ficou em silêncio algum tempo, como se estivesse a desenterrar da memória algo custoso. Depois disse:


 - Para cá não veio, Córdova cheira-lhe a morte. 

Site Meter