Domingos Amaral)
Episódio Nº 57
III
Mentiras
da Guerra
1133 – 1134
Serra Morena, perto de Córdova, Fevereiro de 1133
Ao entrar pelo portão do
castelo de Hisn Abi Cherif, o cordovês Abu Zakaria comoveu-se ao reparar nos
canteiros de flores que cercavam a pequena torre de menagem.
Tal como da última vez que
ali estivera, sete anos antes, continuavam repletos de belas e coloridas, sinal
de que alguém as cuidava permanentemente.
Fora naquele local que
Taxfin, segundo marido de Zulmira, o obrigara a prometer que traria de volta Fátima
e Zaida, prisioneiras dos cristãos.
Desconsolado, o cordovês
recordou o seu falhanço. Os fundos que Taxfin lhe colocara ao dispor, tão
vastos há sete anos, haviam sido consumidos a alimentar uma companhia de
mercenários que, sendo exímia a matar cristãos no campo aberto, não possuía
força suficiente para invadir Coimbra e resgatar as princesas.
A somar à fraqueza
financeira, a situação política em Santarém alterara-se. A lendária paixão de
Abu Zakaria por Fátima, geradora de admiração e respeito do povo, tinha como
alto preço a desconfiança com que o miravam os influentes da cidade.
Para seu forte azar, o seu
único aliado, o governador de Santarém, morrera no final do ano passado.
O posto de wali de Santarém permanecia vago. Ali
Yusuf que governava o califado a partir de Marraquexe, não parecia preocupado
em nomear sucessor, vivendo Santarém ao sabor dos interesses das principais
famílias da região, para quem Zakaria não passava de um inútil subversivo.
Abandonado pelos mercenários
a quem deixara de pagar e sem apoios relevantes da cidade, Abu depressa
percebera que teria de regressar a Córdova à procura de novos aliados, pois os
fossados de Peres Cativo aproximavam-se perigosamente de Santarém, aumentando o
alarme social.
Quando um dia ouviu, na Conselho
Municipal, alguém sugerir que se fizesse a paz com Afonso Henriques,
pagando-lhe até um tributo, o cordovês suspeitou que os assustados notáveis da
cidade facilmente o entregavam ao príncipe de Portugal como prova de boa
vontade.
A fúria perdera-o, concluíra
Zakaria. No verão anterior degolara uma companhia inteira de galegos, deixando
nove deles empalados junto ao rio Nabão, e enviando o décimo a Soure, numa
provocação maliciosa aos cristãos.
Com essa exibição bárbara e
fútil, o seu prestígio em Santarém ensombrara-se e, mal faleceu o governador,
viu-se solitário e cercado de hostilidade.
Desanimado, metera-se a
caminho de Córdova, sabendo a tristeza que ia causar a Fátima mal ela soubesse
do seu abandono.
Tantos anos separados e
ainda a amava! Desde que ela ficara refém apenas a vira por duas vezes, em
Soure e em Coimbra, quando estivera bem perto de resgatar as duas irmãs mouras.
Apesar disso, o amor
resistira dentro dele e recordava com intensidade a profecia de Taxfin de que
um dia se casaria com Fátima ali, em Hisn Abi Cherif.
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