segunda-feira, agosto 08, 2016

Assim Nasceu Portugal
Domingos Amaral)

Episódio Nº 57                          


















III

Mentiras da Guerra


    1133 – 1134








Serra Morena, perto de Córdova, Fevereiro de 1133



Ao entrar pelo portão do castelo de Hisn Abi Cherif, o cordovês Abu Zakaria comoveu-se ao reparar nos canteiros de flores que cercavam a pequena torre de menagem.

Tal como da última vez que ali estivera, sete anos antes, continuavam repletos de belas e coloridas, sinal de que alguém as cuidava permanentemente.

Fora naquele local que Taxfin, segundo marido de Zulmira, o obrigara a prometer que traria de volta Fátima e Zaida, prisioneiras dos cristãos.

Desconsolado, o cordovês recordou o seu falhanço. Os fundos que Taxfin lhe colocara ao dispor, tão vastos há sete anos, haviam sido consumidos a alimentar uma companhia de mercenários que, sendo exímia a matar cristãos no campo aberto, não possuía força suficiente para invadir Coimbra e resgatar as princesas.

A somar à fraqueza financeira, a situação política em Santarém alterara-se. A lendária paixão de Abu Zakaria por Fátima, geradora de admiração e respeito do povo, tinha como alto preço a desconfiança com que o miravam os influentes da cidade.

Para seu forte azar, o seu único aliado, o governador de Santarém, morrera no final do ano passado.

O posto de wali de Santarém permanecia vago. Ali Yusuf que governava o califado a partir de Marraquexe, não parecia preocupado em nomear sucessor, vivendo Santarém ao sabor dos interesses das principais famílias da região, para quem Zakaria não passava de um inútil subversivo.

Abandonado pelos mercenários a quem deixara de pagar e sem apoios relevantes da cidade, Abu depressa percebera que teria de regressar a Córdova à procura de novos aliados, pois os fossados de Peres Cativo aproximavam-se perigosamente de Santarém, aumentando o alarme social.

Quando um dia ouviu, na Conselho Municipal, alguém sugerir que se fizesse a paz com Afonso Henriques, pagando-lhe até um tributo, o cordovês suspeitou que os assustados notáveis da cidade facilmente o entregavam ao príncipe de Portugal como prova de boa vontade.

A fúria perdera-o, concluíra Zakaria. No verão anterior degolara uma companhia inteira de galegos, deixando nove deles empalados junto ao rio Nabão, e enviando o décimo a Soure, numa provocação maliciosa aos cristãos.

Com essa exibição bárbara e fútil, o seu prestígio em Santarém ensombrara-se e, mal faleceu o governador, viu-se solitário e cercado de hostilidade.

Desanimado, metera-se a caminho de Córdova, sabendo a tristeza que ia causar a Fátima mal ela soubesse do seu abandono.

Tantos anos separados e ainda a amava! Desde que ela ficara refém apenas a vira por duas vezes, em Soure e em Coimbra, quando estivera bem perto de resgatar as duas irmãs mouras.

Apesar disso, o amor resistira dentro dele e recordava com intensidade a profecia de Taxfin de que um dia se casaria com Fátima ali, em Hisn Abi Cherif.

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