O que interessa sobretudo reter deste período confuso da Idade Média na Península Ibérica é a ideia de que, se do lado muçulmano o poder político estava pulverizado por inúmeros estados minúsculos, da banda dos cristãos o panorama era idêntico, apenas com a diferença de que os condados dependiam nominalmente dos reis que, em teoria, estavam acima deles e os englobavam. Mas só em teoria, porque a sua independência era quase total.
Dentro destas unidades políticas quem mandava verdadeiramente
eram os senhores locais ou os municípios, inspirados estes nos antigos
municípios do Império Romano, que eram administrados por plebeus, os tais
vilões ou burgueses (que se especializaram na produção de artesanato ou na
actividade comercial e deram origem à classe dos artesãos e mercadores passando
estes a comercializar esses produtos ou eventuais excedentes agrícolas) tinham
sido autorizados a fazê-lo por meio de uns documentos assinados pelo Rei
chamados “cartas de foral” ou, simplesmente, “forais”.
Nós agora queixamo-nos, e com toda a razão, da Brisa que nos
cobra as portagens nas auto-estradas e engordam à custa de dinheiros públicos e
da exploração das estradas mais transitáveis mas, no que toca a portagens, na
Idade Média não era muito diferente, senão pior:
- Para se viajar através do país era preciso ter a bolsa
bem recheada. E então, no que toca a mercadorias, era de arrepiar, pois cada
concelho, apoiado na sua “carta de foral”, tinha o direito de cobrar taxas de
passagem.
Mas, se quanto aos concelhos ainda vá que não vá, pois eram uma
espécie de mini-governos regionais, o pior é que não eram apenas estes que cobravam
portagens, alcavalas, dízimos e outros impostos de passagem: os nobres também o
faziam quando as suas terras eram atravessadas.
E o problema de mudar de terra não se ficava por aqui . É que cada região, cada cidade e às vezes cada
aldeia, adopt ava os seus pesos e
medidas próprios. Aqui lo que hoje
denominamos por Estado – que seria a Coroa, nessa altura – tinha uma reduzida
interferência do dia-a-dia da vida das pessoas e não regulamentava coisas de
“pequena importância” como estas em que os viajantes estavam sujeitos a toda a
espécie de extorsões.
Para além de tudo isto, viajar era muito difícil porque…não
havia estradas praticamente a não ser aquelas que ainda sobravam das antigas
“vias romanas”.
Os rios eram, por isso, a alternativa, largamente utilizados
como vias de comunicação e no nosso país os rios Tejo e Douro eram navegáveis
por barcos relativamente grandes ao longo de todo o seu curso.
Recordo ainda o que restava das ruínas do que seriam armazéns
nas areias do rio Tejo onde, em miúdo, ia tomar banho. Era o antigo porto da
Concavada, concelho de Abrantes, comprovando a importância do rio no transporte
de pessoas e mercadorias para Lisboa para contornar as dificuldades e perigos
das viagens por terra. Parece que o célebre Zé do Telhado operava ali para os
lados do Pinhal da Azambuja. Acabou preso e deportado para Angola onde morreu. Visitei a sua sepultura num viagem de fim de curso àquele território.
No século XIII, quando Portugal atingiu as suas fronteiras
definitivas, Leiria, Mértola, Odemira e Silves possuíam portos de mar.
Viajar por mar ou rio era sempre preferível do que fazê-lo por
terra. Por exemplo, para ir de Lisboa a Barcelona ou a Valência, ninguém
pensava em atravessar a península – era preferível contorná-la.
Na segunda metade do século XV, na sua viagem à corte de Luís XI
de França, o nosso rei D. Afonso V, navegou pelo estreito de Gibraltar e mar
Mediterrâneo até um porto vizinho de Marselha e daí seguiu numa longa viagem
por terra até Blois e Paris.
Mas, de uma forma geral, pura e simplesmente, não se viajava.
Apenas os nobres e os guerreiros que os acompanhavam se deslocavam por razões
militares ou diplomáticas.
A gente do povo nascia e morria no mesmo sítio ou num raio de
poucos qui lómetros
em redor, para irem à feira. No nosso Portugal, do tempo de Salazar, por todo o
interior do país era ainda precisamente assim. Foi a guerra do Ultramar e a
“fuga” para o Brasil e depois a França - para sobreviverem à fome nas
suas aldeias - tudo já em tempos recentes, que puseram as pessoas,
finalmente, a viajar. Antes, alguns tinham estado envolvidos nas viagens
marítimas a darem “novos mundos ao mundo”.
Mas a mim, o que mais me incomoda nesta Idade Média eram os
costumes bárbaros, a morte corriqueira pelos motivos mais fúteis, o desprezo
pela vida e a impunidade para os cruéis:
- Um tal Fernando Mendes, alcunhado do Bravo, que era
filho do alferes-mor de D. Afonso Henriques que mandou cozer a própria mãe
dentro de uma pele de urso e deu-a a comer aos cães porque a senhora se sentia
incomodada por uma certa mulher por quem o filho se tinha tomado de amores;
- Ou de um outro, um tal D. Gonçalo Henriques, antepassado
de D. Nuno Álvares Pereira, que informado de que a mulher, que ficara no castelo
de Lanhoso enquanto ele combatia nas expedições contra os mouros, o atraiçoava
com um frade, possivelmente seu confessor, regressou ao castelo, fechou-lhe as
portas, pegou-lhe fogo, matando a mulher, o frade e todos os que lá estavam
dentro, criados, cães, gatos e aves de capoeira.
Justificou-se, mais tarde, dizendo que eram todos cúmplices da mulher uma vez que não o avisaram…
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