quarta-feira, agosto 03, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)





Episódio Nº 53




















Agarrou-a pelos cabelos e num gesto rápido, que Chamoa não conseguiu suster, obrigou-a a virar de costas para ele e encostou-a à parede.

Depois, voltou a levar o punhal ao seu pescoço e forçou-a a permanecer quieta. Chamoa sentiu a mão esquerda dele a levantar-lhe a saia e tentou dar um pontapé para trás, mas o Velho aplicou-lhe uma pancada nas costelas que a deixou com dificuldades de respirar.

- Quieta cabrita – ordenou o Velho erguendo-lhe as saias.

A rapariga sentiu-o remexer nas roupas interiores e começou a chorar, impotente para o parar. Ouviu-o murmurar outra vez junto do seu ouvido:

 - Vais levar com ele.

Quando o Velho estava já a soltar as calças, preparando-se para a penetrar, ouviu-se uma voz de criança, à entrada do estábulo.

Mãe? Estás aqui?

Chamoa nem queria acreditar, era seu filho, Pêro Pais!

Gritou-lhe de imediato, dando-lhe instruções!

- Pêro, ide chamar meu pai, depressa!

O Velho compreendeu que não conseguiria dominar os dois ao mesmo tempo. Ou permanecia com Chamoa, caso em que Pêro Pais teria tempo de avisar o avô, ou corria para agarrar o menino, caso em que Chamoa gritaria por socorro.

Enervado, deu uma pancada com o cabo do punhal, deixando-a atordoada enquanto desaparecia pelos fundos do estábulo.

Atarantada, a minha cunhada cambaleou até à porta, onde um aflito Pêro Pais a abraçou e logo quis saber o que ali se passara.

Meu querido filho!

Chamoa ainda tremia de raiva, de medo, de frustração, mas não desejou assustá-lo mais, dizendo-lhe apenas que fora descoberta a fugir pelo lacaio do Trava.

Magoou-vos? – perguntou o menino, preocupado.

Mais calma, Chamoa suspirou e respondeu:

 - Só no orgulho.

Abraçou o filho que ao vê-la mais serena, a mirou com um ar desapontado e lavrou o seu protesto:

 - Haveis tentado fugir sem mim.

Naquele instante, Chamoa percebeu que, bem mais grave do que ter sido abalroada por aquela sinistra criatura, era ter provocado uma desilusão no seu amado filho mais velho.

Por isso, pediu-lhe compreensão e desculpa, justificando-se com o receio das agruras de uma fuga invernal. O filho escutou-a com atenção e no final limitou-se a um pedido:

 - Da próxima vez levai-me convosco.

Chamoa sorriu, orgulhosa. No meio das desagradáveis ocorrências que lhe atazanavam a vida, a existência daquele menino corajoso, esperto e leal era um bálsamo de valor incalculável.


O meu sobrinho era um rapaz único e raro, dotado de grandes qualidades que muito nos iria ajudar. Pouca gente sabe disso e lhes dá o devido valor, mas foram as nossas crianças, os primeiros filhos de Portugal, que nos fizeram acreditar no futuro.

Por elas, valia a pena ir ao inferno, numa terrível viagem que ia começar...


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