Admiro um pintor que olha a paisagem, seja ela urbana ou rural, e consegue reproduzir na tela o que os seus olhos vêm.
Tendo nascido, como a maioria das
pessoas, sem jeito para desenhar ou pintar, reconforta-me saber que há aquelas
que têm esse dom: reproduzir, no papel ou na tela, o que vêem.
E o que dizer dos artistas que se fecham
nos seus ateliers e pintam o que as suas memórias registaram e lhes ditam?
- Pois, as memórias...
Aos setenta e sete anos, o que se tem de
verdadeiramente nosso e de valor, são as memórias, não para as passar para uma
tela sob a forma de uma pintura que, para tal. falta a habilidade à maioria de
nós, mas para as recriar em pensamento.
Não temos essa percepção enquanto
vivemos o período activo das nossas vidas mas, na verdade, o que andámos a
fazer foi recolher material para alimentar mais tarde, na velhice, por que não
dizê-lo, as nossas memórias, mesmo que as distorçamos, deformemos, como muitos
pintores fazem nos seus quadros, como a nossa Maria Helena Vieira da Silva,
quando reproduziu em tela as praias das Maçãs, da Adraga ou da Aguda, que
frequentava enquanto menina.
Olhando para esse quadro, denominado La Mer (1961), nada lá vemos das
praias que visitamos no Verão, e temos muitas à escolha no nosso país, porque
aquela praia é a da memória de Maria Helena Vieira da Silva.
Ela “brinca”, em tela, com as praias da
sua memória como eu também posso brincar com as memórias da minha vida. Tal como ela fez na pintura, também eu as posso distorcer e deformar.
A vida é o que é... não há volta a
dar-lhe, mas as memórias que dela guardamos podem sê-lo ou não.
Por isso, eu prefiro as memórias: são minhas,
a vida não é nem nunca o foi...
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