sábado, julho 23, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 50


















Há meses que Chamoa se sentia uma estranha em Tui, mas a vontade violenta de partir para Guimarães, que tantas vezes a assolava, encontrava um permanente travão num pensamento doloroso: a filha que nascera a Afonso Henriques, gerada pela normanda Elvira.

Um ciúme irracional obrigava-a à contenção pois regressar a Guimarães para dar de caras com a rival e o rebento representaria uma suprema humilhação, um golpe demasiado duro para o seu orgulho.

O que tem a normanda que eu não tenho?

Chamoa, na sua desconsolada existência, não se julgava pior do que ninguém, apenas mais azarada. Por isso, decidira só voltar a Guimarães com um troféu, uma prova de suprema lealdade ao príncipe de Portugal, uma exibição irrecusável de fidelidade que o fizesse aceitá-la, mesmo sendo já pai de uma filha da normanda.

Também tenho quatro filhos...

A filha do príncipe de Portugal não seria um obstáculo, o essencial era recuperar a confiança dele com uma demonstração de heroísmo altruísta.

Revelar-lhe a armadilha que se preparava contra Celmes era a sua oportunidade!

Vou fugir, vou ter com ele!

Chamoa beijou o filho Pêro Pais na têmpora e saiu pela porta do quarto, sorrateira e silenciosa, deixando o petiz a dormir. Amava aquele primogénito fortemente, mas decidira não o levar, pois uma sortida nocturna, em pleno inverno, poderia colocá-lo em risco.

Porém, abandoná-lo custava-lhe, reconheceu Chamoa, enquanto descia as escadas do castelo de Tui pé ante pé.

Pêro Pais era um miúdo invulgarmente afiado de espírito, corajoso e com mais sangue frio do que ela, a sua companhia durante a viagem até Guimarães ser-lhe ia muito agradável!

Mas se o levasse podia ficar doente, era inverno, fazia muito frio!

Fora Pêro Pais quem, na tarde daquele dia, revelara a Chamoa os planos escutados na sala sobre a invasão de Celmes.

Aflita, logo ali ela decidira fugir e para ganhar coragem, bebera algum vinho. Pêro Pais que sempre se preocupava quando a via assim, chamara-lhe a atenção para os perigos do tinto galego.

O avô diz que o vinho nos faz ver a dobrar. Tende cuidado minha mãe, o Tougues dá-vos de beber para vos ter.

Chamoa sorrira, o filho começava a perceber da vida.

Não temais Pêro, desta vez não será assim.

O menino confessou à mãe que sonhava com o dia em que ele e os três irmãos iriam viver para Guimarães, para junto de Afonso Henriques, que se casaria com Chamoa. Esta rira-se mas depois os seus olhos haviam-se enchido de lágrimas e murmurara:

 - Não sei se esse dia vai chegar.

Com a inocência própria da pouca idade que tinha o filho não partilhava as dúvidas dela e afirmara com solenidade:

 - Se salvarmos Celmes, o príncipe de Portugal casará convosco!

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