(Domingos Amaral)
Episódio Nº 50
Há meses que Chamoa se
sentia uma estranha em Tui, mas a vontade violenta de partir para Guimarães,
que tantas vezes a assolava, encontrava um permanente travão num pensamento
doloroso: a filha que nascera a Afonso Henriques, gerada pela normanda Elvira.
Um ciúme irracional
obrigava-a à contenção pois regressar a Guimarães para dar de caras com a rival
e o rebento representaria uma suprema humilhação, um golpe demasiado duro para
o seu orgulho.
O que tem a normanda que eu não tenho?
Chamoa, na sua desconsolada
existência, não se julgava pior do que ninguém, apenas mais azarada. Por isso,
decidira só voltar a Guimarães com um troféu, uma prova de suprema lealdade ao
príncipe de Portugal, uma exibição irrecusável de fidelidade que o fizesse
aceitá-la, mesmo sendo já pai de uma filha da normanda.
Também tenho quatro filhos...
A filha do príncipe de
Portugal não seria um obstáculo, o essencial era recuperar a confiança dele com
uma demonstração de heroísmo altruísta.
Revelar-lhe a armadilha que
se preparava contra Celmes era a sua oportunidade!
Vou fugir, vou ter com ele!
Chamoa beijou o filho Pêro
Pais na têmpora e saiu pela porta do quarto, sorrateira e silenciosa, deixando
o petiz a dormir. Amava aquele primogénito fortemente, mas decidira não o
levar, pois uma sortida nocturna, em pleno inverno, poderia colocá-lo em risco.
Porém, abandoná-lo
custava-lhe, reconheceu Chamoa, enquanto descia as escadas do castelo de Tui pé
ante pé.
Pêro Pais era um miúdo
invulgarmente afiado de espírito, corajoso e com mais sangue frio do que ela, a
sua companhia durante a viagem até Guimarães ser-lhe ia muito agradável!
Mas se o levasse podia ficar
doente, era inverno, fazia muito frio!
Fora Pêro Pais quem, na
tarde daquele dia, revelara a Chamoa os planos escutados na sala sobre a
invasão de Celmes.
Aflita, logo ali ela
decidira fugir e para ganhar coragem, bebera algum vinho. Pêro Pais que sempre
se preocupava quando a via assim, chamara-lhe a atenção para os perigos do
tinto galego.
O avô diz que o vinho nos
faz ver a dobrar. Tende cuidado minha mãe, o Tougues dá-vos de beber para vos
ter.
Chamoa sorrira, o filho
começava a perceber da vida.
Não temais Pêro, desta vez
não será assim.
O menino confessou à mãe que
sonhava com o dia em que ele e os três irmãos iriam viver para Guimarães, para
junto de Afonso Henriques, que se casaria com Chamoa. Esta rira-se mas depois
os seus olhos haviam-se enchido de lágrimas e murmurara:
- Não sei se esse dia vai chegar.
Com a inocência própria da
pouca idade que tinha o filho não partilhava as dúvidas dela e afirmara com
solenidade:
- Se salvarmos Celmes, o príncipe de Portugal
casará convosco!
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