Aqui estão todos representados: clero, nobreza e povo. |
A POUCO
RECOMENDÁVEL
RECOMENDÁVEL
IDADE MÉDIA…
Durante mil anos, do Século V ao XV, decorreu um período a que chamámos de Idade Média porque ocupa um grande "vazio" entre a saudosa Antiguidade Greco-Romana e os tempos modernos. A mim, sempre me pareceu uma época tenebrosa na qual não gostaria de ter vivido:
- Por um lado,
a Inqui sição da Igreja Católica, por
outro, o despotismo e prepotência dos nobres que pulverizavam entre si o poder
e finalmente, a completa ausência de direitos do povo.
Foi um período anárqui co e confuso da sociedade europeia e ainda mais
da nossa península ibérica por causa dos mouros a Sul e a Oeste onde nasceu o
nosso Portugal, no Século XII.
E foi exactamente num
belo dia desse Século XII, que o fundador do nosso país e seu primeiro rei, D.
Afonso Henriques, andava em passeio pelas terras sob seu domínio, no Douro,
quando resolveu visitar um dos seus fiéis barões, D. Gonçalo de Sousa que vivia
na sua qui nta em Unhão.
Claro que, D.
Gonçalo, em quem
Afonso Henriques se tinha apoiado na sua luta
contra o reino de Leão e Castela, recebeu o seu senhor o melhor que pôde e
deixou-o na sala a conversar com a Condessa, sua esposa, enquanto foi para a
cozinha dar instruções à criadagem para a preparação do jantar… real.
Nesses tempos, o
jantar, como era de hábito de então, era comido a meio da tarde, algumas horas
depois do almoço que era servido por volta das 10 ou 11 horas da manhã.
Não havia uma grande
variedade de comida: a alimentação constava sobretudo de carne assada de
animais caçados na coutada do conde, acompanhada de pão, couves e talvez puré
de castanhas, tudo regado com vinho que D. Gonçalo guardava em grandes barris
na sua adega.
Não havia então na
Europa e na Península conhecimento da existência de batatas, feijões, milho,
alimentos que só muito mais tarde haveriam de ser conhecidos com a descoberta
da América.
A carne de veado ou
cervo era muito apreciada pela nobreza, mas o mais corrente era comer-se
coelho, lebre, galinhola ou com alguma sorte, faisão.
Também havia ursos na
coutada e nas serranias fora dela, assustando os raros viajantes que
transitavam a pé ou de mula pelos carreiros ou pelos troços que sobreviveram
das antigas estradas romanas, mas os caçadores só os afrontavam, tal como aos
lobos, quando isso era necessário à sua própria sobrevivência.
Caçar era o grande
passatempo desta nobreza turbulenta, quando não andava metida em guerras entre
si, desafiando reinos vizinhos ou contra os mouros do Sul. Um plebeu que fosse
apanhado a pôr armadilhas para coelhos ou a atirar fisgadas a perdizes, o mais
provável era não escapar com vida.
Amor Sobre a Pele de Urso
D. Gonçalo, vestindo quase de certeza uma túnica pouco limpa e bastante remendada cingida na cintura por um largo cinto de cabedal, lá andava pela cozinha a dar ordens aos servos (alguns dos quais, percebia-se pela pele bronzeada e barba preta, serem escravos mouros) entre as panelas e os tachos de barro e de cobre inevitavelmente sobrevoados por esquadrilhas de moscas e varejeiras, enquanto a condessa num banco dos que se fecham em tesoura, conversava com o rei.
Aproveitando-se da
ausência do marido tombou a mulher dele, Dª Sancha Álvares sobre uma pele de
urso e tratou de satisfazer a sua lascívia.
Entretanto, chegou D.
Gonçalo da cozinha que surpreendendo o seu rei em tal despautério disse com a
garganta entaboada:
- Levantai-vos,
senhor, que a comida está na mesa...
Enquanto el-rei D.
Afonso Henriques se banqueteava, foi-se o marido ultrajado à mulher e, tosqui ando-lhe os cabelos e pondo-lhe às costas uma
pele de cabra, colocou-a em cima de um burro, aparelhado de cilha e albarda,
sentada ao contrário e dando com ela uma volta por onde estava el-rei com os seus
cavaleiros mandou-a de volta para casa do pai.
Quem não gostou desta
cena foi D. Afonso Henriques que ficou enfurecido jurando-lhe pela vida.
Por um lado, doía-lhe
ter abusado da confiança de um nobre servidor mas por outro, não gostara do
repique que muito o confundia e envergonhara aos olhos dos seus.
Hesitante, porém
entre enviá-lo de presente ao diabo ou passar adiante, chamou-o à sua presença
e disse-lhe:
- Por muito menos,
cegou um adiantado de meu pai a sete condes...
- Cegou-os à traição,
senhor, mas disso morreu.
- E se eu te mandar
cortar a cabeça...?
- Senhor, mais
vale. Homem borrado, morto é.
D. Afonso Henriques
ficou a meditar naquela palavra. Teria, pois, de comer bem e beber melhor
filosofando como Herádio que "se havia de correr a atalhar a ira
como a um incêndio", e montando a cavalo, despediu da Quinta de Unhão,
vencido o instinto sanguinário.
Era esta a pouco recomendável Idade Média dos reis e senhores, cavaleiros e fidalgos e do povo que não podia comer um coelho apanhado nos terrenos do amo sob pena de ser castigado com a morte.
Era esta a pouco recomendável Idade Média dos reis e senhores, cavaleiros e fidalgos e do povo que não podia comer um coelho apanhado nos terrenos do amo sob pena de ser castigado com a morte.
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