quinta-feira, agosto 04, 2016

Aqui estão todos representados: clero, nobreza e povo.
A  POUCO

RECOMENDÁVEL 
IDADE MÉDIA…





















Durante mil anos, do Século V ao XV, decorreu um período a que chamámos de Idade Média porque ocupa um grande "vazio" entre a saudosa Antiguidade Greco-Romana e os tempos modernos. A mim, sempre me pareceu uma época tenebrosa na qual não gostaria de ter vivido:

 - Por um lado, a Inquisição da Igreja Católica, por outro, o despotismo e prepotência dos nobres que pulverizavam entre si o poder e finalmente, a completa ausência de direitos do povo.

Foi um período anárquico e confuso da sociedade europeia e ainda mais da nossa península ibérica por causa dos mouros a Sul e a Oeste onde nasceu o nosso Portugal, no Século XII.

E foi exactamente num belo dia desse Século XII, que o fundador do nosso país e seu primeiro rei, D. Afonso Henriques, andava em passeio pelas terras sob seu domínio, no Douro, quando resolveu visitar um dos seus fiéis barões, D. Gonçalo de Sousa que vivia na sua quinta em Unhão.

Claro que, D. Gonçalo, em quem Afonso Henriques se tinha apoiado na sua luta contra o reino de Leão e Castela, recebeu o seu senhor o melhor que pôde e deixou-o na sala a conversar com a Condessa, sua esposa, enquanto foi para a cozinha dar instruções à criadagem para a preparação do jantar… real.

Nesses tempos, o jantar, como era de hábito de então, era comido a meio da tarde, algumas horas depois do almoço que era servido por volta das 10 ou 11 horas da manhã.

Não havia uma grande variedade de comida: a alimentação constava sobretudo de carne assada de animais caçados na coutada do conde, acompanhada de pão, couves e talvez puré de castanhas, tudo regado com vinho que D. Gonçalo guardava em grandes barris na sua adega.

Não havia então na Europa e na Península conhecimento da existência de batatas, feijões, milho, alimentos que só muito mais tarde haveriam de ser conhecidos com a descoberta da América.

A carne de veado ou cervo era muito apreciada pela nobreza, mas o mais corrente era comer-se coelho, lebre, galinhola ou com alguma sorte, faisão.

Também havia ursos na coutada e nas serranias fora dela, assustando os raros viajantes que transitavam a pé ou de mula pelos carreiros ou pelos troços que sobreviveram das antigas estradas romanas, mas os caçadores só os afrontavam, tal como aos lobos, quando isso era necessário à sua própria sobrevivência.

Caçar era o grande passatempo desta nobreza turbulenta, quando não andava metida em guerras entre si, desafiando reinos vizinhos ou contra os mouros do Sul. Um plebeu que fosse apanhado a pôr armadilhas para coelhos ou a atirar fisgadas a perdizes, o mais provável era não escapar com vida.


Amor Sobre a Pele de Urso


D. Gonçalo, vestindo quase de certeza uma túnica pouco limpa e bastante remendada cingida na cintura por um largo cinto de cabedal, lá andava pela cozinha a dar ordens aos servos (alguns dos quais, percebia-se pela pele bronzeada e barba preta, serem escravos mouros) entre as panelas e os tachos de barro e de cobre inevitavelmente sobrevoados por esquadrilhas de moscas e varejeiras, enquanto a condessa num banco dos que se fecham em tesoura, conversava com o rei.

Aproveitando-se da ausência do marido tombou a mulher dele, Dª Sancha Álvares sobre uma pele de urso e tratou de satisfazer a sua lascívia.

Entretanto, chegou D. Gonçalo da cozinha que surpreendendo o seu rei em tal despautério disse com a garganta entaboada:

 - Levantai-vos, senhor, que a comida está na mesa...

Enquanto el-rei D. Afonso Henriques se banqueteava, foi-se o marido ultrajado à mulher e, tosquiando-lhe os cabelos e pondo-lhe às costas uma pele de cabra, colocou-a em cima de um burro, aparelhado de cilha e albarda, sentada ao contrário e dando com ela uma volta por onde estava el-rei com os seus cavaleiros mandou-a de volta para casa do pai.

Quem não gostou desta cena foi D. Afonso Henriques que ficou enfurecido jurando-lhe pela vida.

Por um lado, doía-lhe ter abusado da confiança de um nobre servidor mas por outro, não gostara do repique que muito o confundia e envergonhara aos olhos dos seus.

Hesitante, porém entre enviá-lo de presente ao diabo ou passar adiante, chamou-o à sua presença e disse-lhe:

- Por muito menos, cegou um adiantado de meu pai a sete condes...

- Cegou-os à traição, senhor, mas disso morreu.

- E se eu te mandar cortar a cabeça...?

 - Senhor, mais vale. Homem borrado, morto é.

D. Afonso Henriques ficou a meditar naquela palavra. Teria, pois, de comer bem e beber melhor filosofando como Herádio que  "se havia de correr a atalhar a ira como a um incêndio", e montando a cavalo, despediu da Quinta de Unhão, vencido o instinto sanguinário.

Era esta a pouco recomendável Idade Média dos reis e senhores, cavaleiros e fidalgos e do povo que não podia comer um coelho apanhado nos terrenos do amo sob pena de ser castigado com a morte.
  

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