sábado, agosto 06, 2016

Assim Nasceu Portugal
(Domingos Amaral)


Episódio Nº 56


















Depois de pousar a filha no berço, Afonso Henriques respondeu-lhe:

- Antes vós do que uma galega tonta, já com filhos de dois homens.

Perante mais aquele ataque a uma ausente, que nem se podia defender, Teresa de Celanova tomou as dores de Chamoa e murmurou:

 - Pelo menos é nobre...

Elvira Gualter concordou com um aceno de cabeça mas, como a conversa não lhe agradava, Afonso Henriques revelou que o seu mais forte desejo, era partir para o Sul na senda das pequenas vitórias iniciais de Peres Cativo, que já destruira algumas aldeias mouras.

- É lá que serão as nossas próximas conquistas!

Entusiasmado, o príncipe declarou que Santarém estava enfraquecido. O governador encontrava-se às portas da morte e os locais detestavam Abu Zakaria!

- E deixais-me desterrado em Celmes? – indignou-se Gonçalo.

Afonso Henriques observou-o com ar sério e retorquiu:

- É a vossa obrigação!

Dito isto o príncipe decidiu juntar-se aos festejos da população e todos o acompanhamos. As iluminações dos archotes davam a tonalidade laranja a Guimarães, a Almedina encontrava-se forrada de fogueiras repleta de jograis e bobos que cantavam trovas ou largavam as suas larachas.

Por todo o lado se viam cavaleiros-vilões exibindo troféus de caça mortos nessa manhã ou preparados para as justas do dia seguinte, torneios onde lutariam uns com os outros, para entretenimento geral.

A dado momento, um ainda trombudo Gonçalo exigiu que o seguíssemos até às portas dos estábulos, onde entrou sozinho tendo reaparecido com um enorme cavalo pelas rédeas, um magnífico exemplar das Astúrias, que provocou a admiração geral.

Divertido e sorridente, Gonçalo declarou:

 - Não guardo ressentimentos por me teres enviado para Celmes! Serei sempre vosso amigo e leal companheiro, esta é a prova disso.

Entregou a Afonso Henriques as rédeas do cavalo e exclamou:

 - Não mais precisareis de montar pilecas que nos envergonham!

Os meus dois amigos trocaram um forte abraço e depois Elvira Gualter aproximou-se de Gonçalo e deu-lhe um inesperado e rápido beijo na boca, dizendo:

 - É merecido, mas é o único que vos dou, malandro!

Empolgados, desatámos todos a gritar:

- Monta, monta!

Então o príncipe subiu para a sela daquele gigantesco cavalo que o recebeu sem dificuldade e começou a andar a passo, enquanto brindávamos o imponente dueto com nova salva de palmas.



Aquele Natal foi o último de concórdia e tranquilidade, antes da nossa viagem ao inferno começar. Hoje, quando recordo esses dias, surpreendo-me quanto estávamos iludidos sobre as nossas forças. Como éramos inocente e jovens.

Mas, se até meu tio Hermígio e meu pai, bem mais experientes, foram surpreendidos pelas tempestades que se ergueram, como poderíamos nós, rapazes com pouco mais de vinte anos, mais interessados em mulheres atrevidas ou cavalos de raça apurada, adivinhar o duríssimo futuro que nos esperava?

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