(Domingos Amaral)
Episódio Nº 56
Depois de pousar a filha no
berço, Afonso Henriques respondeu-lhe:
- Antes vós do que uma
galega tonta, já com filhos de dois homens.
Perante mais aquele ataque a
uma ausente, que nem se podia defender, Teresa de Celanova tomou as dores de
Chamoa e murmurou:
- Pelo menos é nobre...
Elvira Gualter concordou com
um aceno de cabeça mas, como a conversa não lhe agradava, Afonso Henriques
revelou que o seu mais forte desejo, era partir para o Sul na senda das
pequenas vitórias iniciais de Peres Cativo, que já destruira algumas aldeias
mouras.
- É lá que serão as nossas
próximas conqui stas!
Entusiasmado, o príncipe
declarou que Santarém estava enfraquecido. O governador encontrava-se às portas
da morte e os locais detestavam Abu Zakaria!
- E deixais-me desterrado em
Celmes? – indignou-se Gonçalo.
Afonso Henriques observou-o
com ar sério e retorqui u:
- É a vossa obrigação!
Dito isto o príncipe decidiu
juntar-se aos festejos da população e todos o acompanhamos. As iluminações dos
archotes davam a tonalidade laranja a Guimarães, a Almedina encontrava-se
forrada de fogueiras repleta de jograis e bobos que cantavam trovas ou largavam
as suas larachas.
Por todo o lado se viam
cavaleiros-vilões exibindo troféus de caça mortos nessa manhã ou preparados
para as justas do dia seguinte, torneios onde lutariam uns com os outros, para
entretenimento geral.
A dado momento, um ainda
trombudo Gonçalo exigiu que o seguíssemos até às portas dos estábulos, onde
entrou sozinho tendo reaparecido com um enorme cavalo pelas rédeas, um magnífico
exemplar das Astúrias, que provocou a admiração geral.
Divertido e sorridente, Gonçalo
declarou:
- Não guardo ressentimentos por me teres
enviado para Celmes! Serei sempre vosso amigo e leal companheiro, esta é a
prova disso.
Entregou a Afonso Henriques
as rédeas do cavalo e exclamou:
- Não mais precisareis de montar pilecas que
nos envergonham!
Os meus dois amigos trocaram
um forte abraço e depois Elvira Gualter aproximou-se de Gonçalo e deu-lhe um
inesperado e rápido beijo na boca, dizendo:
- É merecido, mas é o único que vos dou,
malandro!
Empolgados, desatámos todos
a gritar:
- Monta, monta!
Então o príncipe subiu para
a sela daquele gigantesco cavalo que o recebeu sem dificuldade e começou a
andar a passo, enquanto brindávamos o imponente dueto com nova salva de palmas.
Aquele Natal foi o último de
concórdia e tranqui lidade, antes da
nossa viagem ao inferno começar. Hoje, quando recordo esses dias, surpreendo-me
quanto estávamos iludidos sobre as nossas forças. Como éramos inocente e
jovens.
Mas, se até meu tio Hermígio
e meu pai, bem mais experientes, foram surpreendidos pelas tempestades que se
ergueram, como poderíamos nós, rapazes com pouco mais de vinte anos, mais
interessados em mulheres atrevidas ou cavalos de raça apurada, adivinhar o duríssimo
futuro que nos esperava?
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