Richard Dawkins |
Por Que
Somos Bons?
(Ponhamos em ordem
as nossas ideias.
Aprendamos com
R. Dawkins.)
Por que nos
condoemos com o choro de uma criança que sofre?
Por que sentimos compaixão por uma
viúva idosa em desespero devido à solidão?
O que nos provoca o impulso para
enviarmos uma dádiva anónima para as vítimas de um cataclismo que não
conhecemos nem viremos a conhecer e nunca nos retribuirá?
De onde vem o bom samaritano que vive
em nós?
Recordemos Einstein:
Estranha é a
nossa situação aqui na Terra. Cada um de nós vem para uma
curta visita, sem saber porquê, contudo, parecemos adivinhar um objectivo. No
entanto, do ponto de vista do quotidiano, há uma coisa que sabemos: que o homem
está aqui pelos outros homens – acima de tudo por
aqueles de cujos sorrisos e bem-estar depende a nossa própria felicidade.
Será realmente pelos outros homens
que nós aqui estamos
e terá isso alguma coisa a ver com a religião?
É por causa dela que somos bons?
Muitas pessoas religiosas consideram
difícil imaginar como sem religião alguém pode ser bom ou há-de sequer querer
ser bom, e esta incapacidade para compreender e aceitar a bondade fora da
religião leva algumas pessoas religiosas a paroxismos de ódio contra aqueles
que não professam a sua religião.
E assim, a religião, que se proclama
como fonte de inspiração para a bondade e o amor transforma-se, ela própria,
num imenso reservatório de ódio e maldade.
Brian Fleming, autor e realizador de
um documentário sincero e comovente em defesa do ateísmo recebeu uma carta em 21
de Dezembro de 2005 que rezava assim:
“Decididamente, vocês têm cá uma lata! Adorava pegar
numa faca e esventrá-los a todos, seus idiotas, e gritar de alegria a ver as
vossas entranhas a derramarem-se à vossa frente. Vocês andam a ver se arranjam
como atear uma guerra santa em que um dia eu e outros como eu, possamos a vir
ter o prazer de passar aos actos como o atrás mencionado”.
Chegado
a este ponto o autor da carta reconhece tardiamente que a sua linguagem não é
muito cristã, pois continua, agora num tom mais amistoso:
“Contudo Deus ensina-nos a não procurar a vingança mas sim a rezar pelas
pessoas como vocês”.
Mas a
benevolência dura-lhe pouco:
“Vai consolar-me saber que o castigo que Deus vos há-de trazer será mil
vezes pior do que o que quer que seja que eu possa infligir. O melhor de tudo é
que vocês hão-de sofrer para toda a eternidade por estes pecados de que estão
completamente ignorantes. A ira de Deus não há-de mostrar misericórdia. Para
vosso próprio bem, espero que a verdade vos seja revelada antes que a faca vos
toque na carne. Feliz NATAL!!!
P.S: - Vocês não fazem mesmo ideia do que vos está reservado…Eu agradeço a
Deus por não ser vocês”.
Estas
cartas rancorosas, de que esta é apenas um exemplo, são mais comuns na América
do Norte provenientes de pessoas afectas a Igrejas de Cristo e a Seitas que
proliferam por todos os EUA, mas a carta que se segue, de Maio de 2005, é de um
médico inglês e foi dirigida a Richard Dawkins.
Depois de uns parágrafos
introdutórios a denunciar a evolução e a incitar o autor a ler um livro que
defende que o mundo tem apenas 8.000 anos (será que ele pode mesmo ser médico?)
conclui:
“Os seus
livros, o prestígio de que goza em Oxford, tudo o que ama na vida, e tudo aqui lo que alcançou são um exercício de total
futilidade…A interpeladora pergunta de Camus torna-se inescapável: porque não
cometemos todos suicídio? Na verdade, a sua visão do mundo tem esse tipo de
efeito sobre os estudantes e em muitas outras pessoas…que todos evoluímos por
puro acaso, a partir do nada, e que a esse nada voltaremos. Mesmo que a
religião não fosse verdadeira, é melhor, muito melhor acreditar num mito nobre,
como o de Platão, se durante as nossas vidas ele conduzir à paz de espírito.
Mas a sua visão do mundo leva à
ansiedade, à toxicodependência, à violência, ao niilismo, ao hedonismo, à
ciência Frankenstein, ao inferno na Terra e à terceira guerra mundial.
Pergunto-me quão feliz será o senhor nas suas relações pessoais? Divorciado?
Viúvo? Homossexual? As pessoas como o senhor nunca são felizes, caso contrário
não se esforçariam tanto para provar que não existe felicidade nem significado em
nada.”
A evolução acontece à custa de
alterações genéticas que favorecem a sobrevivência da espécie e essa é a
essência da selecção natural de Darwin.
Muitas vezes, a selecção natural
conduz a “becos sem saída” e, nesses casos, a espécie extingue-se e esse foi o
desfecho de todas aquelas que hoje estudamos sob a forma de fósseis.
Os grandes dinossauros que noutros
tempos dominaram a vida sobre a Terra foram eliminados por alterações drásticas
e bruscas que lhes retiraram totalmente as possibilidades de sobrevivência
tendo-se aberto então caminho para a evolução de outras espécies que até aí não
tinham hipótese de evoluir.
Há cerca de sessenta milhões de anos,
após o desaparecimento dos grandes dinossauros, pequenos animais que viviam nas
florestas passaram a encontrar um espaço que até aí não dispunham.
Eram os antepassados dos mamíferos
dos quais, hoje, nós somos os seus mais recentes representantes.
Nada aconteceu por acaso!
Muitos cientistas sustentam que o
nosso sentido de certo e errado provem do nosso passado darwiniano.
Richard Dawkins apresenta, a este respeito, a sua versão:
-Em primeiro
lugar temos os comportamentos de altruísmo e bondade para com os nossos
parentes dos quais o carinho e a protecção que dispensamos aos nossos filhos é
o exemplo mais óbvio mas não o único no mundo animal.
Cuidar dos parentes próximos para os
defender, para os alertar contra os perigos ou partilhar com eles alimentos são
comportamentos normais entre indivíduos que partilham cópias dos mesmos genes.
-Em segundo lugar, temos um outro
tipo de altruísmo para o qual existe uma sólida fundamentação lógica darwiniana
que é o altruísmo recíproco (temos de ser uns para os outros).
Esta teoria trazida para a biologia
por Robert Trivers não depende da partilha de genes e funciona até igualmente
bem entre animais de espécie diferentes, sendo aí chamada de simbiose.
Trata-se do mesmo princípio que está
na base de todo o comércio e das trocas entre os seres humanos.
O caçador precisa de uma lança e o
ferreiro precisa de carne. É assimetria que medeia o acordo.
A abelha precisa de néctar e a flor
de ser polinizada.
As flores não podem voar, por isso
pagam às abelhas o aluguer das suas asas e a moeda de pagamento é o néctar.
As guias-do-mel, aves da família “indicatoridae”,
conseguem encontrar colmeias mas não conseguem entrar nelas ao contrário dos
ratéis e dos homens.
Então, as aves conduzem, através de
um voo atractivo, os ratéis ou o homem até ao mel e depois ficam à espera da
recompensa.
Estas relações mutualistas abundam no
reino dos seres vivos: búfalos e picanços, flores tubulares e beija flores,
garoupas e bodiões, etc.
O altruísmo recíproco funciona por
causa das assimetrias que há nas necessidades e nas capacidades de as
satisfazer. É por isso que funciona particularmente bem entre espécies
diferentes onde as assimetrias são maiores.
A selecção natural favorece os genes
que predispõem os indivíduos, em relações de necessidade e oportunidade
assimétricas, para darem quando podem e solicitarem quando não podem.
E favorece também as tendências para
lembrar as obrigações, para guardar rancor, para fiscalizar as relações de
troca e para punir os trapaceiros que recebem, mas que não dão quando chega a
sua vez de o fazerem.
- Em terceiro lugar, os comportamentos
altruístas favorecem o indivíduo que os pratica porque lhes permite ganhar fama
de bondosos e generosos e essa reputação é importante e os biólogos reconhecem
nela valor de sobrevivência darwiniana não só pelo facto de se serem bons como
também por alimentarem essa reputação.
Reputação que não se restringe apenas
ao ser humano, de acordo com experiências recentemente feitas em animais,
nomeadamente peixes, e publicadas num artigo de R. Bshary e A. S. Grutter na
revista Nature de Junho de 2006.
- Em quarto lugar, o economista
norueguês-americano Thorstein Veblen e de uma forma diferente o zoólogo
israelita Amotz Zahavi, acrescentaram ainda uma ideia mais fascinante quanto à
vantagem dos comportamentos altruístas considerando-os uma proclamação implícita
de domínio ou superioridade.
Por exemplo, os chefes rivais das
tribos do noroeste do Pacífico competiam entre si organizando festins de uma
abundância ruinosa.
Só um indivíduo genuinamente superior
pode dar-se ao luxo de anunciar o facto por meio de uma oferta dispendiosa.
Os indivíduos compram o êxito através
de demonstrações de superioridade, incluindo a generosidade ostentatória e o
assumir de riscos pelo bem comum. (onde é que nós já vimos isto?...)
Temos então quatro boas razões
Darwinianas para os indivíduos serem altruístas, generosos ou “morais” uns para
com os outros e ao longo da nossa Pré-Histórica, o ser humano viveu em
condições que terão favorecido bastante a evolução destes 4 tipos de altruísmo.
Vivíamos em aldeias ou, em tempos mais
recuados, em bandos nómadas discretos, parcialmente isolados de aldeias ou de
bandos vizinhos, e estas eram condições que favoreceram extraordinariamente o
evoluir das relações altruístas familiares como factor importante para a
sobrevivência do grupo.
E não só para o altruísmo de base
parental como igualmente do altruísmo recíproco ao cruzarem-se com frequência
com os mesmos indivíduos e estas são as condições ideais para se construir a
reputação do altruísmo e também para publicitarem uma generosidade conspícua.
É fácil perceber a razão pela qual os
nossos antepassados pré históricos terão sido bons para os membros do seu
próprio grupo mas maus, chegando à xenofobia, em relação a outros grupos.
Mas agora que a maior parte de nós
vive em grandes cidades onde já não estamos rodeados de parentes e conhecemos
indivíduos que não mais voltaremos a encontrar, por que motivo somos ainda tão
bons uns para os outros e até para aqueles que pertencem a grupos exteriores ao
nosso?
É importante não transmitir uma ideia
errada sobre o alcance da selecção natural pois ela não favorece a evolução de
uma consciência cognitiva do que é bom para os nossos genes, o que ela favorece
são regras de base empírica que na prática funcionam no sentido de prover os
genes que as criaram.
Vejamos um
exemplo:
-No cérebro de um pássaro a regra
«cuidar daquelas coisas pequenas que soltam grasnidos e vivem no ninho e
deixar-lhes cair comida nas bocas vermelhas e escancaradas» tem o objectivo de
preservar os genes que criaram a regra porque os objectos que soltam grasnidos
e ficam de boca aberta são os seus descendentes.
Mas esta regra falha se outra cria de
pássaro entra para dentro do ninho, situação que foi engendrada pelos cucos.
Esta falha ou “tiro fora do alvo”pode
também acontecer com os impulsos para a bondade, altruísmo, empatia, piedade,
que o homem continua a desenvolver quando as condições já são diferentes das
que existiam em tempos ancestrais.
Por outras palavras, as condições são
outras mas a regra empírica manteve-se e, portanto, embora hoje as pessoas já
não sejam nossos parentes, façam parte do nosso grupo, ou tenham possibilidade
de retribuir, tal como a ave que por impulso continua a alimentar o filho do
cuco, também nós continuamos a sentir o desejo de sermos bons e generosos.
É como o desejo sexual que não deixa
de ser sentido mesmo quando a mulher é estéril ou toma a pílula e fica incapaz
de reproduzir.
São ambos “tiros fora do alvo”, erros darwinianos: abençoados e inestimáveis erros.
Em tempos
ancestrais a melhor forma da selecção natural assegurar a sobrevivência da
nossa espécie foi instalando no cérebro não só a necessidade de acreditar, da
qual já falamos num texto anterior, como também, o desejo sexual e a compaixão
ou generosidade.
Estas regras que ditam estes impulsos
para acreditar, para o sexo, para a generosidade e para a xenofobia, são muito
anteriores à religião, às civilizações e aos vários contextos culturais que se
limitaram mais tarde a regulá-los, condicioná-los, instrumentalizá-los, cada um
à sua maneira, fazendo deles o cerne da vida dos homens ao longo de toda a sua
existência.
Se voltarmos novamente a pôr a
questão de saber qual a razão ou razões pelas quais somos bons, a resposta
parece-nos ser agora clara, acessível à nossa razão, quase natural e, acima de
tudo, nada ter a ver com qualquer religião.
Tudo, na sua complexidade, parece fácil, lógico e simples, quando
explicado à luz da razão e do conhecimento…
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home