quarta-feira, janeiro 18, 2006

Evocação a Cáceres Monteiro

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No teu blog de 3 de Janeiro, no mesmo dia em que evocaste a pessoa de Cáceres Monteiro, recém-falecido, num texto em que lhe prestaste homenagem como profissional da escrita e como homem, provavelmente inspirado por esse acontecimento, escreveste um outro texto sobre a morte.

É inevitável, quando nos morre alguém que estimamos ou admiramos, logo nos apetece dissertar sobre a morte como forma de manter e prolongar entre nós a sua presença e um pouco, em desespero, sempre vamos adiantando que a morte não pode ser o fim e o nosso estimado Cárceres Monteiro - só não pode voltar a escrever mas quanto ao resto ele está invisível entre nós, como está o meu irmão e o Zézinho e só o tempo e o natural esquecimento é que os vai afastando progressivamente do nosso mundo até quando chegar, também, a nossa vez.

E é neste contexto que é compreensível a interrogação que tu lanças:”…a morte será o fim ou será a nossa verdadeira vida, a nossa verdadeira pista de 700 metros, o nosso futuro?

Não afirmamos mas perguntamos, e este alimentar da dúvida é revelador do quanto estamos agarrados à vida e quão mal estamos preparados para aceitar o nosso fim com a naturalidade de um processo de renovação que, ele próprio, é o segredo da própria vida.

As primeiras perguntas a fazer, com o seu quê de ingenuidade, seriam estas: mas por que razão haveria outro mundo? Para que serviria ele, com que lógica?

E a existir, o que nos reservaria ele?

E, neste ponto, todos sabemos como ele tem sido utilizado, creio que em todas as civilizações, como um poderoso factor de chantagem para condicionar, determinar e dirigir o comportamento dos homens na sociedade no sentido de os levar a fazer aquilo que as elites pretendem, as religiosas e as políticas em associação.

E por isso, eu penso que há perguntas que sendo reconfortantes para o nosso ego têm-se revelado perigosas, e eu não conheço outra mais perigosa que conceber a vida como uma simples e transitória passagem por este mundo - sem outra importância que não seja a de preparar a outra vida, a que se segue à morte física, essa sim, a vida verdadeira, o nosso futuro.

Começamos por nos interrogar sobre a existência desse mundo e depois acreditamos porque ele é a resposta fácil que vem ao encontro dos nossos desejos, que dá resposta às nossas angústias, que tempera as nossas dores, coloca esperanças onde elas não existem e dá sentido à vida frustrada nos seus legítimos anseios que começam por ser a de viver com um mínimo de dignidade e acabam reivindicando a felicidade… e o que não faria eu, acreditando nessa afirmação, crença que se transforma em fé, para aceder a esse outro mundo no qual uns dizem nos espera o paraíso e o paraíso é tudo aquilo que nós quisermos, incluindo sete virgens à nossa espera.

Este é o caminho que uma grande parte da humanidade vem trilhando e que constitui hoje o maior foco de instabilidade e de receio para todos os homens livres, alicerçado num projecto de poder tenebroso pelo fanatismo, destruição e manipulação das consciências pela crença num tal outro mundo que, de tão aliciante, leva um incontável número de jovens a destruírem-se a si e a milhares de outras pessoas, independentemente de quem sejam, na maior afronta que é possível fazer à vida, à vida deste mundo.

Acreditar numa vida no outro mundo ou ter dúvidas sobre a sua existência poderá ser inócuo mas tem um enorme potencial para se poder tornar numa ameaça à vida neste mundo de pessoas livres, como de resto se está a assistir nestes últimos anos pelo confronto que está a ser travado com as forças da Alkaeda.

A vida é aqui, boa ou má, é aqui e não há outra. Deveríamos assumir com humildade intelectual e sentido de responsabilidade o papel que nos está reservado pelos nossos especiais dotes de inteligência na cadeia de vida que presentemente existe sobre a terra e neste particular não me parece que nos estejamos a sair muito bem.

Arvorámo-nos em servos de deuses com representantes cá na terra e as armas com que a natureza nos dotou para sobrevivermos como espécie temo-las utilizado para nos destruirmos uns aos outros e eliminar grande parte da vida que não criámos, que já cá estava quando cá chegámos, talvez porque ingenuamente acreditámos que podemos dar cabo deste mundo porque temos o outro à nossa espera.

Dois ou três milhões de anos de evolução e uma grande parte de nós parece não querer sair do ponto de partida. As crenças primitivas continuam a exercer um enorme fascínio e os homens espertos e ambiciosos deste mundo contam com isso para os seus projectos de poder quer eles se destinem a estabelecer impérios do mal ou do bem.

Não é o Catecismo ou o Corão que as crianças deveriam aprender nas escolas, o que lhes deveria ser ensinado era como viver neste mundo no respeito por eles próprios, pelos outros e pela natureza, qual a melhor forma de conciliar estes três objectivos nos limites de uma eventual confrontação utilizando todo o manancial de conhecimentos que adquirimos ao longo dos séculos no domínio da filosofia, da política, da sociologia e das ciências da natureza.

Quanto àqueles que partem recordemo-los pelas coisas boas que fizeram, pelas más ou simplesmente porque em vida nos foram queridos.

Viveram, tal como nós tiveram a sua oportunidade, outros aguardam-na. Não compliquemos o que é simples e natural, o potencial dos nossos neurónios deve ser encaminhado para o muito que ainda há a aprender neste mundo que partilhamos.

Também eu, como creio quase toda a gente, tinha pelo Cáceres Monteiro uma grande simpatia que irradiava dos seus escritos e da sua pessoa, não voltará a escrever mas só morrerá quando o esquecermos.

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