Ainda a Europa, a família e os valores
Propositadamente escrevi o meu texto sobre a decadência da Europa e só depois fui ao Macroscópio ler o teu comentário pois, com certeza, não irias deixar passar a oportunidade de te pronunciares e não era justo eu escrever depois de te ler ou, pior ainda, já nem escreveria nada porque sem querer iria plagiar-te mesmo que fosse por uma simples coincidência de pontos de vista.
A qualidade e a riqueza do teu comentário aliado à perspicácia das tuas observações constituem um manancial de informações depois das quais quem acrescentar mais alguma coisa já vai trabalhar com rede.
Mas a propósito de observações, quando eu ouvia o Bispo D. Saraiva Martins falar na sua voz grave, profunda e pausada, com forte sotaque italiano e tom conciliador mas definitivo, que ouve mais do que fala porque as suas palavras, recheadas de autoridade, não são para desperdiçar, a sua figura, quando fechava os olhos, fazia-me lembrar alguém que nunca me ocorreu e que vim a encontrar no Macroscópio: Don Vito Corleone, o Padrinho!.
Eis a cena:
João César das Neves era o advogado da “família”de Don Vito, brilhante como sempre!! Está eufórico porque tinha acabado de descobrir a “clivagem” e a “fractura”. António Barreto ainda protesta mas nada a fazer, tinha sido surpreendido (por trás, ou de lado, não se sabe..).
Mas a pergunta decisiva é formulada por D. Vito :
- A senhora acha que um filho deve ser criado por um pai e por uma mãe?
- A questão é inédita e a resposta não é fácil, ainda se fosse por um avô e uma avó mas por um pai e uma mãe?
-Fátima Bonifácio como historiadora que é compreende o melindre da resposta e ela só tem que dizer sim ou não. Dizer não seria fazer história mas ela não se atreve e a custo, por entre os dentes, pouco mais que sussurra o sim salvador.
Percebe-se que D. Vito fica satisfeito, diria mesmo aliviado, esboça um sorriso, estende a mão num gesto paternal e manda em paz os recalcitrantes e indisciplinados com a recomendação que não voltem a prevaricar.
Agora, a sério:
D. Corleone, desculpa, o Bispo D. Saraiva Martins, que não conhecia mas com quem fiquei a simpatizar, irradiava uma serenidade de quem opinava em nome de uma instituição com 2000 anos de existência que já viu de tudo, já passou por tudo e a tudo sobreviveu e que com a força desse passado depurador se dá ao luxo de ir a casa dos seus antigos adversários, concorrentes, inimigos, não sei bem como chamar-lhes, e pedir-lhes desculpa por qualquer coisinha de menos certa que lhes tenha sido feita no passado.
Só os fortes de espírito, como foi o Papa que protagonizou esta cena, se permitem ter estes gestos mas Paulo VI não foi um Papa qualquer e se é verdade que a sua acção fortemente ecuménica procurou unir os homens de religiões diferentes não é menos verdade que António Barreto tem razão quando afirma que as religiões dividem e dividem fortemente, e tudo o que divide os homens não é bom para a humanidade e o Sr. Bispo não pode negar a história ou varrer para debaixo do tapete do esquecimento as guerras que se travaram entre pessoas apenas porque pertenciam a credos religiosos diferentes ou, simplesmente, em nome de uma religião e nesse aspecto a católica levou a palma a todas as outras.
Agora mesmo, no Iraque, Sunitas e Xiitas, sendo do mesmo credo religioso já se estão a matar uns aos outros apenas porque pertencem a ramos diferentes por cisão após a morte do profeta.
"Factos são factos", como ele próprio reconheceu a propósito da influência da religião judaica/cristã na cultura europeia e que, por isso, deveria ter sido, na opinião do Sr. Bispo, mencionada expressamente na Constituição da Europa nem que fosse no preâmbulo mas eu gostaria de recordar que os valores de que nos orgulhamos não são pertença exclusiva do nosso passado judaico/cristão, mas antes valores universais tais como: o amor, a caridade, a solidariedade, a hospitalidade, a tolerância, a compreensão, o respeito pela vida, a igualdade perante os direitos e obrigações, a justiça etc. Mas reconheço que afirmá-los e reafirmá-los nunca foi nem será demais e fazê-lo há 2000 anos atrás, quando os reis eram deuses e a sua vontade tudo podia, era um acto de grande coragem mas de certo que outros homens praticaram e afirmaram esses valores sem terem podido dispor, no entanto, de uma caixa de ressonância constituída pelos quatro Evangelhos repetidos até à exaustão ao longo de 20 séculos.
Terminei o meu texto discordando da decadência da Europa por considerar que um continente inteiro de pessoas livres, vivendo em paz e em democracia, com acesso a todo o conhecimento disponível, dominando a tecnologia mais avançada, não pode deixar de ser capaz de encontrar a solução para os seus problemas, por maiores que eles sejam, nem perder, naquilo que é o essencial, a sua própria identidade, continuando, no futuro, a serem europeus no respeito pela sua matriz comum e as tradições de cada região, tal como preconiza António Barreto.
Porque cada um de nós é europeu à sua maneira e há muitos séculos, e querer fazer tábua rasa dessa realidade é desencadear tempestades no futuro do projecto europeu, que tendo sido uma feliz iniciativa não deixou de ser, contudo, uma fuga para a frente que agora me parece irreversível, mas do que todos nós teríamos gostado era podermos ter continuado a ser portugueses, espanhóis, franceses, italianos e por aí fora sem absolutamente nada que cerceasse essa realidade que deveria ser vivida em paz uns com os outros.
Jacques Delors, amante do projecto europeu, dizia que ele era como uma bicicleta que não podia parar para não cair mas pior será ganhar velocidade a mais e em vez de cair sem mais consequências estampar-se contra uma qualquer barreira. Quando os países sabotam determinadas directrizes da União Europeia que contrariam interesses nacionais, como é o caso, por exemplo, dos direitos especiais sobre empresas consideradas estratégicas, eu pergunto senão será um caso de velocidade a mais da bicicleta.
Fazer funcionar um mercado europeu em toda a sua plenitude, puro e duro, como se diz agora, com todas as consequências de perda de prerrogativas de carácter nacional numa fase em que há meia dúzia de anos atrás ainda nada disto era assim acarreta sérias dificuldades e se é verdade que a União Europeia só impõe aquilo que previamente foi negociado e aprovado não é menos verdade que estas resistências alguma coisa significam.
Razão pois para as advertências de António Barreto que, na sua qualidade de sociólogo, é especialmente sensível a estas questões e por muito respeito que se deva dar ao sector económico da União Europeia, a realidade social tem que estar presente e a sensibilidade das pessoas enquanto nações tem que ser compreendida.
Os desafios que a Europa tem pela frente e que se agudizaram com a globalização não são maiores mas talvez sejam mais difíceis do que aqueles que teve que enfrentar para renascer dos escombros da 2ª G.G. com a desvantagem de que os europeus dessa altura estavam moldados pelo sacrifício e a coragem de quem conseguiu sobreviver à pior guerra que a humanidade já tinha suportado, enquanto que os europeus de hoje estão adormecidos e acomodados na herança que os seus pais lhes deixaram, e sem coragem, sem trabalho, sem imaginação, sem riscos, sem sacrifícios, agarrados ao bem-bom do passado, a olharem para o umbigo e a defenderem privilégios estão a adiar e a tornar mais difícil esta fase de transição em que o mundo dos seus pais já não existe e o que os aguarda é um mercado onde milhões e milhões de chineses, indianos, indonésios, coreanos, um mundo de pessoas, os espera para lhes disputar um lugarzinho e para isso estão dispostos a tudo com a colaboração de governos que vão continuar a fechar os olhos àquilo a que na Europa chamamos “ as justas reivindicações dos trabalhadores”.
A atitude e o comportamento dos jovens franceses que os noticiários da TV nos trouxeram, lutando nas ruas não por um emprego mas pela garantia e estabilidade desse emprego, diz bem do seu estado de espírito que não será muito diferente dos jovens dos outros países europeus o que nos permite concluir que eles não se aperceberam que acabaram de ser inseridos num mundo global, o mesmo mundo global que esteve na origem de mais um encerramento de uma fábrica têxtil em Portugal cujas trabalhadoras vi também hoje na TV a chorarem sem saberem o que vão fazer à vida com os encargos que contraíram quando pensavam que o seu emprego estava garantido.
E isto porque ninguém teve a coragem de lhes dizer que neste país não vai sobreviver nenhuma fábrica têxtil ou de confecções com excepção daquelas, poucas, que conseguiram qualidade e inovação e foram para o mercado com esses novos produtos e conseguiram encontrar para eles novos clientes.
Conseguir sobreviver a este desafio não vai ser mais fácil do que reconstruir a Europa dos escombros da 2ªG.G. só que ainda não vi os jovens, com excepção de casos isolados e de alguns projectos de ponta em curso, arregaçarem as mangas.
A qualidade e a riqueza do teu comentário aliado à perspicácia das tuas observações constituem um manancial de informações depois das quais quem acrescentar mais alguma coisa já vai trabalhar com rede.
Mas a propósito de observações, quando eu ouvia o Bispo D. Saraiva Martins falar na sua voz grave, profunda e pausada, com forte sotaque italiano e tom conciliador mas definitivo, que ouve mais do que fala porque as suas palavras, recheadas de autoridade, não são para desperdiçar, a sua figura, quando fechava os olhos, fazia-me lembrar alguém que nunca me ocorreu e que vim a encontrar no Macroscópio: Don Vito Corleone, o Padrinho!.
Eis a cena:
João César das Neves era o advogado da “família”de Don Vito, brilhante como sempre!! Está eufórico porque tinha acabado de descobrir a “clivagem” e a “fractura”. António Barreto ainda protesta mas nada a fazer, tinha sido surpreendido (por trás, ou de lado, não se sabe..).
Mas a pergunta decisiva é formulada por D. Vito :
- A senhora acha que um filho deve ser criado por um pai e por uma mãe?
- A questão é inédita e a resposta não é fácil, ainda se fosse por um avô e uma avó mas por um pai e uma mãe?
-Fátima Bonifácio como historiadora que é compreende o melindre da resposta e ela só tem que dizer sim ou não. Dizer não seria fazer história mas ela não se atreve e a custo, por entre os dentes, pouco mais que sussurra o sim salvador.
Percebe-se que D. Vito fica satisfeito, diria mesmo aliviado, esboça um sorriso, estende a mão num gesto paternal e manda em paz os recalcitrantes e indisciplinados com a recomendação que não voltem a prevaricar.
Agora, a sério:
D. Corleone, desculpa, o Bispo D. Saraiva Martins, que não conhecia mas com quem fiquei a simpatizar, irradiava uma serenidade de quem opinava em nome de uma instituição com 2000 anos de existência que já viu de tudo, já passou por tudo e a tudo sobreviveu e que com a força desse passado depurador se dá ao luxo de ir a casa dos seus antigos adversários, concorrentes, inimigos, não sei bem como chamar-lhes, e pedir-lhes desculpa por qualquer coisinha de menos certa que lhes tenha sido feita no passado.
Só os fortes de espírito, como foi o Papa que protagonizou esta cena, se permitem ter estes gestos mas Paulo VI não foi um Papa qualquer e se é verdade que a sua acção fortemente ecuménica procurou unir os homens de religiões diferentes não é menos verdade que António Barreto tem razão quando afirma que as religiões dividem e dividem fortemente, e tudo o que divide os homens não é bom para a humanidade e o Sr. Bispo não pode negar a história ou varrer para debaixo do tapete do esquecimento as guerras que se travaram entre pessoas apenas porque pertenciam a credos religiosos diferentes ou, simplesmente, em nome de uma religião e nesse aspecto a católica levou a palma a todas as outras.
Agora mesmo, no Iraque, Sunitas e Xiitas, sendo do mesmo credo religioso já se estão a matar uns aos outros apenas porque pertencem a ramos diferentes por cisão após a morte do profeta.
"Factos são factos", como ele próprio reconheceu a propósito da influência da religião judaica/cristã na cultura europeia e que, por isso, deveria ter sido, na opinião do Sr. Bispo, mencionada expressamente na Constituição da Europa nem que fosse no preâmbulo mas eu gostaria de recordar que os valores de que nos orgulhamos não são pertença exclusiva do nosso passado judaico/cristão, mas antes valores universais tais como: o amor, a caridade, a solidariedade, a hospitalidade, a tolerância, a compreensão, o respeito pela vida, a igualdade perante os direitos e obrigações, a justiça etc. Mas reconheço que afirmá-los e reafirmá-los nunca foi nem será demais e fazê-lo há 2000 anos atrás, quando os reis eram deuses e a sua vontade tudo podia, era um acto de grande coragem mas de certo que outros homens praticaram e afirmaram esses valores sem terem podido dispor, no entanto, de uma caixa de ressonância constituída pelos quatro Evangelhos repetidos até à exaustão ao longo de 20 séculos.
Terminei o meu texto discordando da decadência da Europa por considerar que um continente inteiro de pessoas livres, vivendo em paz e em democracia, com acesso a todo o conhecimento disponível, dominando a tecnologia mais avançada, não pode deixar de ser capaz de encontrar a solução para os seus problemas, por maiores que eles sejam, nem perder, naquilo que é o essencial, a sua própria identidade, continuando, no futuro, a serem europeus no respeito pela sua matriz comum e as tradições de cada região, tal como preconiza António Barreto.
Porque cada um de nós é europeu à sua maneira e há muitos séculos, e querer fazer tábua rasa dessa realidade é desencadear tempestades no futuro do projecto europeu, que tendo sido uma feliz iniciativa não deixou de ser, contudo, uma fuga para a frente que agora me parece irreversível, mas do que todos nós teríamos gostado era podermos ter continuado a ser portugueses, espanhóis, franceses, italianos e por aí fora sem absolutamente nada que cerceasse essa realidade que deveria ser vivida em paz uns com os outros.
Jacques Delors, amante do projecto europeu, dizia que ele era como uma bicicleta que não podia parar para não cair mas pior será ganhar velocidade a mais e em vez de cair sem mais consequências estampar-se contra uma qualquer barreira. Quando os países sabotam determinadas directrizes da União Europeia que contrariam interesses nacionais, como é o caso, por exemplo, dos direitos especiais sobre empresas consideradas estratégicas, eu pergunto senão será um caso de velocidade a mais da bicicleta.
Fazer funcionar um mercado europeu em toda a sua plenitude, puro e duro, como se diz agora, com todas as consequências de perda de prerrogativas de carácter nacional numa fase em que há meia dúzia de anos atrás ainda nada disto era assim acarreta sérias dificuldades e se é verdade que a União Europeia só impõe aquilo que previamente foi negociado e aprovado não é menos verdade que estas resistências alguma coisa significam.
Razão pois para as advertências de António Barreto que, na sua qualidade de sociólogo, é especialmente sensível a estas questões e por muito respeito que se deva dar ao sector económico da União Europeia, a realidade social tem que estar presente e a sensibilidade das pessoas enquanto nações tem que ser compreendida.
Os desafios que a Europa tem pela frente e que se agudizaram com a globalização não são maiores mas talvez sejam mais difíceis do que aqueles que teve que enfrentar para renascer dos escombros da 2ª G.G. com a desvantagem de que os europeus dessa altura estavam moldados pelo sacrifício e a coragem de quem conseguiu sobreviver à pior guerra que a humanidade já tinha suportado, enquanto que os europeus de hoje estão adormecidos e acomodados na herança que os seus pais lhes deixaram, e sem coragem, sem trabalho, sem imaginação, sem riscos, sem sacrifícios, agarrados ao bem-bom do passado, a olharem para o umbigo e a defenderem privilégios estão a adiar e a tornar mais difícil esta fase de transição em que o mundo dos seus pais já não existe e o que os aguarda é um mercado onde milhões e milhões de chineses, indianos, indonésios, coreanos, um mundo de pessoas, os espera para lhes disputar um lugarzinho e para isso estão dispostos a tudo com a colaboração de governos que vão continuar a fechar os olhos àquilo a que na Europa chamamos “ as justas reivindicações dos trabalhadores”.
A atitude e o comportamento dos jovens franceses que os noticiários da TV nos trouxeram, lutando nas ruas não por um emprego mas pela garantia e estabilidade desse emprego, diz bem do seu estado de espírito que não será muito diferente dos jovens dos outros países europeus o que nos permite concluir que eles não se aperceberam que acabaram de ser inseridos num mundo global, o mesmo mundo global que esteve na origem de mais um encerramento de uma fábrica têxtil em Portugal cujas trabalhadoras vi também hoje na TV a chorarem sem saberem o que vão fazer à vida com os encargos que contraíram quando pensavam que o seu emprego estava garantido.
E isto porque ninguém teve a coragem de lhes dizer que neste país não vai sobreviver nenhuma fábrica têxtil ou de confecções com excepção daquelas, poucas, que conseguiram qualidade e inovação e foram para o mercado com esses novos produtos e conseguiram encontrar para eles novos clientes.
Conseguir sobreviver a este desafio não vai ser mais fácil do que reconstruir a Europa dos escombros da 2ªG.G. só que ainda não vi os jovens, com excepção de casos isolados e de alguns projectos de ponta em curso, arregaçarem as mangas.
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