segunda-feira, julho 31, 2006

A minha neta


A MINHA NETA

O acto do nascimento não é bonito, nem agradável, nem pacífico, pelo contrário é violento, doloroso, sofrido.

Parece, até, que a natureza pretendeu, desta maneira, assinalar logo as dificuldades e agruras que esperam todos quantos são lançados na vida.

Sem querer, os meus pensamentos vão para os herbívoros que vivem nas planícies africanas que, ao nascerem, são autenticamente despejados no meio do chão dispondo apenas de alguns minutos para se levantarem, reconhecerem a progenitora e partirem à desfilada ao seu lado porque se os pais são alimento dos carnívoros eles são um autêntico petisco.

Os humanos têm a sorte de serem amparados por mãos experientes que os ajudam a nascer até serem depositados sobre o ventre materno.

Mas nós, humanos, somos especiais, chegámos aonde chegámos através de caminhos muito estreitos da evolução e, mesmo assim, só possível com muita sorte à mistura.

Na natureza as coisas acontecem no dia a dia, passo a passo, pela lei da experimentação sucessiva.

Quando as soluções resultam a vida continua mas na maioria dos casos as soluções não se mostram convincentes, são de pouca duração e abortam.

No nosso caso, entre todos aqueles que um dia se puseram de pé para tentarem sobreviver às profundas alterações do meio ambiente - tão pouco se sabe ainda quantos foram - só nós o conseguimos e um dos últimos exemplares dessa espécie vitoriosa é a minha neta Filipa, nascida há 10 meses.

Nasceu e não nasceu mas eu explico recuando uns milhões de anos.

Num determinado momento, crucial da nossa evolução, a natureza “apostou” na inteligência como instrumento de combate na luta pela vida e para isso os cérebros tiveram que aumentar de volume de tal forma que as dimensões do crânio não permitiam o nascimento dos fetos o que teria constituído um factor de bloqueio se uma saída não fosse encontrada.

A resposta da natureza “cheira” a solução de expediente: atrasa-se o crescimento do crânio até ao momento do parto para que ele seja possível e acentua-se o seu desenvolvimento pós natalidade.

Por isso, a minha neta nasceu há 10 meses mas, bem vistas as coisas, tem continuado a nascer durante os seus primeiros meses de vida durante os quais o seu cérebro recupera o crescimento relativamente à parte restante do seu corpo.

Por esta razão, a extrema dependência dos bebés humanos mas também a oportunidade do espectáculo que é o desabrochar de uma vida nos seus mais pequeninos pormenores.

De todos estes pormenores, na Filipa, há dois que eu diria, valem por todos os outros: os olhares de cumplicidade e o seu encantador sorriso.

Sorriso que nos faz esquecer, no momento lindo em que o olhamos, todos os motivos para estarmos tristes e que projectado no futuro nos faz ter esperança de que um dia, quem sabe, as razões para chorar sejam vencidas por uma onda de sorrisos…

1 Comments:

Blogger Macro said...

Bom, para comentar o teu texto criticamente, carecia de mais meia hora de indução crítica e de mais uma ou outra leitura. Não me apetece, até porque o texto é magnífico. Comentá-lo seria estragá-lo... "É melhor estar quieto com o rabo" ... como alguém diria...

Quanto à Filipa, origem de tudo isto, está um bébé mto saudável. Parece estrangeira - e tto o avô como a avó parece estar felizes.

Estas gerações emergentes, afinal, matam-nos de alegria!!! Mas enquanto há essa alegria vivemos - vendo nos outros bébés - os putos que um dia fomos.

Este espelho retrovisor da história é tramado... Até pq depois dos 30/40 sonhamos sempre em ser mais novos e nc em sermos mais velhos...

Ao invés, qdo temos 15/20 o nosso inconsciente funciona ao contrário...

Enfim, o que é que o Freud acharia de si quando confrontado com o seu próprio neto?!!!

Beijos para a Filipa
e um abração para vocês
Rui

agosto 01, 2006  

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