segunda-feira, janeiro 03, 2011


DONA
FLOR
E SEUS
DOIS
MARIDOS


Episódio Nº 310


Ressoava a gargalhada de Mestre do Absurdo:

- Vou lhe mostrar agora mesmo…

Zulmira tinha medo que Pelancchi descobrisse aquele afecto espiritual, aquela mística ligação de almas irmãs, vendo maldade e vício onde só havia curiosidade científica e deleite estético.

- Se Pequito entrasse agora e visse a gente assim? Ele é capaz de nos matar. Uma vez jurou…

O Grande Iluminado disse:

- Faço assim com a mão e ficamos invisíveis.

Fez assim com a mão e lhe ensinou certos costumes dos habitantes de Neptuno, cada coisa!



Cada dia mais pálido, mais abatido, dona Flor curvada sobre sua face: que tens Vadinho, meu amor?

- Um cansaço…

A voz arfante, os olhos baços, as mãos descarnadas. Para dona Flor era aquela vida desgarrada e sem horários, não havia organismo capaz de suportar desgaste tão grande e tão constante.

Da outra vez sucedera de repente: quando todos o julgavam forte e são, arrogante de vigor e energia, Vadinho desabou entre os caretas em pleno Carnaval, com a fantasia de baiana e toda a sua animação. De repente caiu, mortinho da silva. Tão moço ainda, moço e bonito, gabola e farrombeiro e, no entanto, o coração em pandarecos, por dentro todo gasto.

Dona Flor viera abrindo caminho por entre os mascarados e os ranchos, sustentada por dona Norma e dona Gisa e o encontrou defunto, sorrindo para a morte. Ao lado, de sentinela, Carlinhos Mascarenhas, vestido de cigano, em silêncio o sublime cavaquinho; o luto na praça era de guizos, lantejoulas e cores vivas.

Mas agora a morte chega dia a dia, a morte ou o que seja. Primeiro, pálido e descarnado, logo após lívido e fluido. Sim, fluido e quase transparente. Não era a magreza dos enfermos, não tinha dor nem febre. Perdendo densidade, tornava-se incorpóreo, ia sumindo.

A princípio dona Flor não deu importância ao caso; sendo Vadinho arreliento e dado a molecagens, um farsante, talvez estivesse apenas armando uma esparrela, para rir de seu susto e burlar de seu espanto. Vadinho não perdia os velhos hábitos, voltara o mesmo capadócio de antes, a fazer troça de tudo, a divertir-se à custa dos demais. Que o dissesse dona Rozilda, em pânico: um pagode.

A velha aparecera de improviso, com as grandes malas anunciadoras de permanência longa. Doutor Teodoro engoliu o choque e, no uso da sua boa educação, acolheu com fidalguia e sogra “sempre bem vinda a esta casa”. Com o passar dos anos a ruindade de dona Rozilda encruara, um poço de veneno. Apenas chegada, já a peçonha corria pela casa e pela rua:

- Teu irmão é um molengas, um banana, tem sangue de barata. A mulher manda nele, aquela remelenta. Vim para ficar.

“Meu Deus, dá-me paciência…” rogou dona Flor, e doutor Teodoro perdeu qualquer esperança.

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