quinta-feira, janeiro 20, 2011

TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA


Episódio Nº 9


Nem o arteiro Flori, nem o atento dentista nem o mordaz Lulu Santos, nem o silencioso pintor de olhos penetrantes, nem o poeta – que pena – nenhum deles toca-lhe o coração, acendendo a escondida centelha.

Se Lulu Santos lhe dissesse: minha amiga, quero dormir com você, tenho muita vontade e, se não o fizer, sofrerei de mais, Tereza teria ido com ele para a cama como foi tantas vezes com outros para ganhar a vida, indiferente e distante, exercendo um ofício.

Devia ao rábula antigo favor, se ele exigisse provar de seu corpo, ela não se negaria; mais uma penosa obrigação a cumprir.

Se o poeta José Saraiva chegasse com aquele pigarro na garganta, de repente virando tosse convulsa, com aquele silvo no peito e lhe dissesse que só morreria feliz se antes dormisse com ela, da mesma maneira com ele se deitaria. Com o provisionado por grata, em pagamento por dívida; com o poeta por compaixão. Dar-se porém no prazer e na festa não pode fazê-lo, nem sequer simular interesse; impossível. Para ser ela própria pagara preço alto, na moeda forte da desgraça.

Nem o rábula nem o poeta lhe pediu, apenas mostraram-se e aguardaram; os dois a queriam, mas não de esmola ou em pagamento. Quanto aos demais, se pediram – Fori pediu em repetidas ocasiões, gemeu, suplicou – nada obtiveram. Mesmo se fosse para encher de dinheiro, fazer pecúlio, não lhe interessava; tinha ainda um pouco na bolsa e esperava agradar de sambista; por algum tempo ao menos queria ser dona de sua vontade.

Recém-chegada, de quarto alugado com pensão completa em casa da velha Adriana (recomendação de Lulu), recebera proposta de Veneranda, dona do castelo mais elegante e caro de Aracajú. Vistosa figura, no trato e no luxo, nas sedas, nos tacos altos, parecendo madama do sul. Veneranda não aparentava a idade registada na escondida certidão de nascimento. Menina ainda, Tereza ouvira o nome da cafetina na boca do capitão, já naquele tempo ela dominava em Aracaju. Veio em pessoa falar com Tereza, sabedora da chegada da moça certamente por Lulu Santos, freguês habitual, conhecendo, quem sabe?, coisas passadas.

Abrindo o leque, Veneranda sentou-se, com um olhar frio despediu a velha Adriana, curiosa.

- É mais bonita ainda do que me disseram – assim começou a propor.

Descreveu-lhe o rendez-vous: vasto sobrado colonial, discreto entre árvores, em meio de terreno cercado de altos muros, os enormes quartos subdivididos em modernas e íntimas alcovas, no andar térreo sala de espera com vitrola, discos, bebidas e exposição de meninas disponíveis, no primeiro andar a grande sala de frente onde Veneranda recebe políticos e literatos, usineiros e industriais, a sala de jantar, o quintal. Tereza poderia residir no próprio castelo, se preferisse. Ao oferecer-lhe moradia no estabelecimento, dava-lhe prova de muita consideração, pois apenas algumas escolhidas, em geral estrangeiras ou sulistas em temporadas pelo Norte – catado o milho, regressavam ao sul – habitavam no castelo, mas Tereza merecia a excepção. Ou bem podia frequentá-lo à tarde e à noite, nas horas de movimento, servindo a todos sem descriminação desde que pagassem o preço cobrado pela casa, ou tendo fregueses seus, exclusivos e escolhidos. Tratando-se de Tereza, aliás, a esclarecida Veneranda se propunha a lhe estabelecer clientela selecta e de alto gabarito financeiro, de calendário mais ou menos estrito, clientela pouco fatigante e muito lucrativa.

Se for tão competente quanto bonita, ela terá condições de ganhar dinheiro fácil e, não sendo de loucuras, dada a sustentar gigolôs, poderá fazer rico pé-de-meia.

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