sexta-feira, abril 22, 2011

TEREZA


BATISTA


CANSADA


DE


GUERRA


Episódio Nº 88


Chico Meia Sola, homem de confiança, conhecia o estoque de memória, ai de quem pensasse desviar mercadoria! Insubstituível cobrador de contas atrasadas, os dentes e a peixeira à mostra, mal somava dois e dois. Os molecotes, um de nome Pompeu, o outro Papa-Moscas, sabiam roubar no peso e na medida, fracos, porém, na aritmética. Tereza anotava parcelas, somava, recebia o dinheiro, passava o troco, tirava as contas mensais. Durante três dias Justiniano a controlou, deu-se por satisfeito. Os fregueses espiavam-na pelos cantos dos olhos, constatavam o talhe e a formosura, não queriam conversa, mulher do capitão Justo é doença fatal, veneno de cobra, perigo de morte.


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Certa feita, Tereza ainda habitava na roça, o doutor Emiliano Guedes por lá apareceu levado por um ajuste de gado. Justiniano Duarte da Rosa comprava e vendia de um tudo, comprava barato, vendia com lucro, não há outra forma de se ganhar dinheiro.

Adquirira uma boiada, meses atrás, de um tal Agripino Lins, no caminho da feira de Sant Ana. Rebanho estropiado, reses na pele e no osso, um vaqueiro adoecera com tifo, morreram umas cabeças, o boiadeiro vendeu o resto por dez réis de mel coado. Na hora do pagamento Justo ainda descontou do total uma vaca morta ao chegar à propriedade e duas mais para lá do que para cá. O boiadeiro quis protestar, o capitão engrossou, não eleve a voz, não me chame de ladrão, não admito, pegue seu dinheiro, vá embora enquanto é tempo, seu filho da puta! Mandou soltar o gado no pasto, na engorda.

Para examinar esse gado, escolher umas vacas, doutor Emiliano Guedes saltou do cavalo negro, esporas de prata, caçambas de prata, arreios de couro e prata; Justiniano o acolheu com os salamaleques devidos ao chefe da família Guedes, o mais velho dos três irmãos, o verdadeiro senhor daquelas terras. Junto dele o rico e temido capitão Justo era um zé – ninguém, um pobretão, perdia a insolência e a valentia.

Na sala, na mão nervosa, o rebenque com o cabo de prata, o visitante vislumbrou dona Brígida, envelhecida e distante, arrastando chinelas atrás da neta – nem parecia a mesma.

- Desde a morte da minha falecida ficou de juízo mole. Se entregou ao desgosto, não liga para nada. Mantenho por caridade, explicou o capitão.

O mais velho dos Guedes acompanhou com o olhar a viúva a internar-se nos matos:

- Quem diria, uma senhora tão distinta.

Tereza entrou na sala trazendo o café, Emiliano Guedes esqueceu dona Brígida e as voltas que o mundo dá. Cofiou o bigode, medindo a cria. Um entendido, não pode conter o espanto: Deus do Céu!

- Obrigado, minha filha – Mexeu o café, os olhos na menina.

Era um tipão, alto, magro, cabelos grisalhos, bigode basto, nariz adunco, olhos de verruma, mãos tratadas. Tereza, de costas, servia o capitão.

Emiliano pesava valores, ancas e coxas, a bunda apertada no vestido da outra. Uma coisa! Ainda em formação; bem conduzida, com afecto e carinho, poderia vir a ser um esplendor.

Bebido o café, nas montarias foram ver o gado, Emiliano separou as vacas melhores, acertou o preço. Já de volta, nos últimos detalhes da compra, parou o cavalo na porta do capitão, agradeceu e recusou o convite para desmontar:

- Muito obrigado, levo pressa – Suspendeu o rebenque, mas antes de tocar no cavalo e partir, cofiou o bigode e disse:

- Não quer juntar ao lote essa novilha que tem em casa? Se quer, faça preço, seu preço é o meu.

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