segunda-feira, junho 20, 2011

TEREZA

BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA


Episódio nº 131


O doutor lhe deu caseiro para jardim e quintal, para lhe guardar a porta (e de começo por não lhe conhecer direito a compostura, para lhe guardar também lealdade e honra) criada de servir e cozinhar, lhe disse minha rainha e a cumulou de afecto, mesmo assim quem mais trabalhava em casa era ela própria, jamais ociosa madama, jamais indolente e pedante amásia de lorde a engordar nos regalos do mando.

Se pensa em termos de amigação, desista, cavalheiro, deixe-a esquecida do mundo, envolta em manto de amor. A perfeição é uma só em cada coisa, em cada instante, não se repete – nem Tereza Batista tentou repetir amigação perfeita, bastando-lhe a recordação daqueles anos e a memória de doutor.

De referência ao outro doutor sobre o qual lhe falaram, caro amigo, o doutorzinho, não foi ele seu amásio, nem muito menos: companheiro de férias, por assim dizer e quando muito, para matar o tempo e escapar de ameaçadores pretendentes, frágil compromisso. Por falar na meia-porção do doutor, veja como tinha razão Tereza Batista ao considerar ricos e pobres: só na hora do medo se pode medir, pesar e comparar uns e outros com o peso e a medida da verdade. Caiu fora o diplomado quando sua obrigação de médico era estar à frente de todos, comandando, mas qual!

Quando a bexiga desceu em Buquim, para enfrentá-la, só ficaram as marafonas, cavalheiro, chefiadas por Tereza Batista. Antes tinha sido Tereza Favo-de-Mel, Tereza da Doce Brisa, depois foi Tereza de Omolu, Tereza da Bexiga Negra. Tinha sido de mel, foi de pus coberta.

B

Boa Bunda, Maricota, Mão de Fada, Bolo Fofo, a velha Gregória, sexagenária, a menina Cabrita, meninota de catorze anos, com dois de ofício, um renque de putas, camarada: sozinhas enfrentaram e venceram a bexiga negra em terras de Buquim, onde soltara, impiedosa assassina; comandando a peleja, ao lado do povo, Tereza Batista.

Guerra pavorosa: não houvesse Tereza assumido a chefia das quengas da Rua do Cancro Mole, e não restaria ninguém no distrito de Muricapeba para contar a história. Os moradores nem fugir podiam, ficando tal regalia para os abastados do centro da cidade, fazendeiros, comerciantes, doutores, a começar pelos médicos, os primeiros a dar no pé, a desertar do campo de batalha, um para o cemitério, o outro para a Bahia – em tão desatinada e louca correria, sem bagagem e sem despedida, vou a Aracaju em busca de socorro! O doutorzinho embarcou no trem errado, desinteressando-se de rumo e destino, ah! quanto mais longe melhor!

A Bexiga chegou com raiva, tinha gana antiga contra a população e o lugar, viera a propósito, determinada a matar, fazendo-o com maestria, frieza e malvadez, morte feia e ruim, bexiga mais virulenta.

Antes e depois da peste, seis meses antes ou três anos depois, diz ainda hoje o povo situando a divisão do tempo em calendário próprio, tomando como marco das eras de antes e depois o acontecimento terrível, o pavor solto e incontrolável, quem não se apavorou? Não se apavorou Tereza Batista, não demonstrando medo – se o sentiu no peito o prendeu. De outra maneira seria impossível levantar o ânimo das mulheres da vida e arrastá-las consigo para aquela labuta de pus e horror.

Valentia, companheiro, não é apanágio de quem provoca e briga, trocando tapas e tiros, exímio no punhal ou na peixeira pernambucana, tudo isso qualquer vivente pode fazer, dependendo da ocasião e da necessidade
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