TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA
Episódio Nº 144
Medicina se aprende é na prática, afirmava o professor Heleno Marques, na cátedra de Higiene da Faculdade de Medicina da Bahia, ao introduzir a matéria sobre as epidemias grassando no sertão. Noite alta, no posto de saúde de Buquim, suor frio na testa, coração apertado, doutor Oto Espinheira, médico de recente colação de grau, se esforça por aprender na prática o que não aprendera na teoria; na prática ainda é mais difícil, repugnante e amedrontador.
Trata-se, evidentemente da varíola em sua forma mais virulenta, varíola major, a negra no dizer do povo, para sabê-lo não se faz necessário ter cursado seis anos de Faculdade, basta atentar no rosto do roceiro de olhos esbugalhados e voz assustada:
- Me diga, doutor, é bexiga negra?
Um caso isolado ou o começo de epidemia? O doutorzinho acende um cigarro, quantos já acendeu e deitou fora desde a notícia transmitida por Tereza? Amontoam-se as baganas no chão. Por que diabo aceitara vir para Buquim, atrás de promoção, de base eleitoral? Bem lhe disse Bruno, colega de emprego, cara experiente: não há promessa que me tire de Aracaju, esse interior é pasto de doença e de chatice, é de morte, seu Oto.
Combatera a chatice trazendo Tereza, greta de tarraxa, sublime. Mas, como combater e liquidar a bexiga?
Atira o cigarro no chão, esmaga-o com o pé. Lava as mãos com álcool. Mais uma vez.
Passos arrastados na rua, mão trémula no trinco da porta: penetra na sala do posto o doutor Evaldo de Mascaranhas, trôpego, conduzindo a maleta gasta pelos anos de uso, procurando com a vista escassa o jovem director, localizando-o por fim:
- Vi luz acesa, caro colega, entrei para lhe avisar que o Rogério, o Rogério Caldas, nosso perfeito, está nas últimas, pegou varíola, um caso muito grave, tenho poucas esperanças.
O pior é que não é o único, também Lícia, sabe quem é? A mulher do sacristão, a esposa, a amásia se chama Tuca. Também ela está no vai-não-vai, é um surto de bexiga, queira Deus que não seja uma epidemia. Mas vejo que o caro colega foi informado, pois está com o posto aberto a esta hora, de certo a tomar as providências que o caso exige, começando naturalmente por vacinar toda a população.
Toda a população, quantas mil pessoas? Três, quatro, cinco mil, contando a cidadezinha e as roças? Qual o estoque de vacinas em existência no posto? Onde o guardam? Ele, doutor Oto Espinheira, director do posto de saúde, nunca pusera os olhos num único tubo, também jamais procurara saber desse bendito estoque. Mesmo havendo grande reserva de vacinas, quem irá aplicá-las? Acende outro cigarro, passa a mão na testa, suor frio. Porcaria de vida; podendo estar em Aracaju, no quente e no macio com apetitosa rapariga, a própria Tereza da estreita fenda ou outra qualquer de boa qualidade, encontra-se no terrível território da bexiga, acuado no medo. A bexiga, quando não mata desfigura. Imagina-se com a face comida de cicatrizes, o moreno rosto de boneco, seu atractivo principal para as mulheres, desfigurado, irreconhecível, ai, Deus meu! Ou morto, lavado em pus.
Doutor Evaldo Mascarenhas avança sala a dentro em passos arrastados, vai parar ao lado de Zacarias e busca reconhecê-lo; será o enfermeiro do posto Maximiano? É um desconhecido com o rosto coberto de nódoas; firma a vista, não são nódoas, são apostemas, é a bexiga.(clik na imagem e aumente)
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