quinta-feira, julho 14, 2011

TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA


Episódio Nº 152



Não sabendo de Tereza senão a formosura e a condição de rapariga do director do posto, maior se lhe faziam respeito e espanto. Quando pela primeira vez saíra com ela a vacinar, sem entender o motivo da amiga do doutorzinho substituir a enfermeira fugitiva, no clima de epidemia a subverter a ordem social, a confundir as classes. Maxi das Negras elaborou projectos e ousadias: ao lado de Tereza no trabalho e na repugnância, no perigo e no pavor, tendo ele de lhe sustentar o ânimo, havendo ocasião e Deus lhe ajudando, ah na cabocla se poria, juntos ornamentando o director do posto, o inútil doutorzinho, com benditos chifres sanitários – deleitoso pensamento!

Logo desistiu sem sequer tentar, ânimo e coragem foi ela quem lhe deu, a mulherzinha. Se Maxi não capou o gato, seguindo as pegadas da enfermeira, deve-se a Tereza. Sentira vergonha de abandonar o serviço, ele, homem forte e pago para executá-lo, quando, sem remuneração, frágil criatura mantinha-se de queixo erguido, firme, sem um queixume, a dar ordens tanto nas casas de família como a ele, Maxi das Negras, ao apavorado doutorzinho, ao velho doutor Evaldo; ao povo todo comandando. Onde já se viu daquilo?

Quando as vacinas finalmente chegaram, trazidas pelo farmacêutico Camilo Tesoura, que, em Aracaju, tivera notícia do surto de varíola e de moto próprio fora à Directoria de Saúde, onde lhe entregaram a encomenda e para breve prometeram reforço de pessoal – diga ao doutor Oto para ir se arranjando com a gente da cidade enquanto providenciamos pessoal competente, não é fácil decidir alguém a arriscar a vida por salários pífios. – Maxi das Negras disse:

- Pena não haver mais algumas iguais a vosmicê, siá-dona. Se houvesse mais três ou quatro, a gente dava um jeito na maldita.

Tereza Batista ergueu o rosto onde os sinais de fadiga marcavam os cantos dos olhos e dos lábios, sorriu para o mulato – rude e grosseiro, porém disposto – e um fulgor de cobre, um relâmpago, lhe apagou nos olhos o cansaço:

- Sei onde buscar, deixe comigo.

T

Tarde chegou o farmacêutico com o recado da Directoria de Saúde de Sergipe: o doutorzinho não esperou o enterro do doutor Evaldo; cruzaram-se ele e Camilo Tesoura na estação.

Tivesse juízo e já estaria longe, passageiro do trem de carga das cinco da manhã após a noite do Juízo Final quando Zacarias exibira no posto a cara de perebas. Pensando bem, pensando cada facto, tudo era culpa da desgraçada da mulher, que diabo tinha ela de sair a vacinar o povo, a cuidar de bexiguentos, mulher tão absurda essa Tereza. Por mais formosa fosse e apertada tenha a crica, não é mulher, é bicho de mato, animal sem sentimentos, incapaz de reflectir, de entender, de apreciar o bom da vida.

Vocação e família de político, ali viera cavar mandato para trocar de vez esse país de bexiga e de pobreza pelas terras do Sul de riqueza e higiene, festas, jardins, teatros, luzes, moderníssimas boates, rendez-vous de categoria internacional, só não haverá mulher mais bela e mais gostosa do que Tereza. Mulher? Não, não é mulher, é assombração, rainha da bexiga. Ao ademais, no medo, trancado em casa lavando as mãos em álcool de dois em dois minutos, lavando o peito com tragos de cachaça, fumando sem descanso, constante vontade de urinar, a examinar-se no espelho, a tocar no rosto em busca de calombos, ah! nesse meio tempo de terror, o doutorzinho perdeu o verniz de educação, a ambição política, o respeito humano e o tesão – já não o tentam os eleitores, os votos de Buquim, mirabolantes planos, nem os encantos de Tereza, o esplendor do corpo, a plácida presença, a buça de torquês. (clik na imagem e aumente)

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