segunda-feira, agosto 15, 2011

TEREZA
BATISTA
CANSADA
DE
GUERRA

Episódio Nº 179





De novo no jardim, no mesmo banco antigo, outrora de azulejos, beijando-a de leve nos lábios húmidos do vinho do Porto outra vez servido, uma gota para ajudar a digestão ele lhe disse:

- Você tem de aprender uma coisa antes de tudo, Tereza. Tem de metê-la nesta cabecinha de uma vez por todas – tocava-lhe os cabelos negros – e não esquecer em momento algum: aqui você é patroa e não criada, esta casa é sua, você é a dona. Se uma criada não dá conta do serviço, tome outra, quantas sejam necessárias, nunca mais a quero ver imunda a esfregar móveis, a carregar penicos.

Tereza ficou atrapalhada com a repreensão. Acostumara-se a ouvir gritos e ralhos, a levar tabefes, bolos de palmatória, surra de taca quando não dava conta do trabalho e alguma coisa não era executada a tempo e a horas – dormia na cama do capitão, mas nem por isso deixava de ser a última das cativas. Também na cadeia lhe ordenaram o asseio de três cubículos e da latrina. Na pensão de Gabi tão pouco ficava a dormir até à hora de almoço como a maioria, sendo uma criada a mais na faxina do casarão, a ajudar a velhíssima Pirro – um dia aquele rebotalho fora a famosa Pirro dos Coronéis, disputado michê de fazendeiros.

- Você é a dona da casa, não se esqueça disso. Não pode andar suja, desmazelada, mal vestida. Quero-lhe ver bonita…

Aliás, mesmo suja e coberta de trapos você é bonita, mas eu quero sua beleza realçada, quero-lhe ver limpa, elegante, uma senhora – Repetiu: - Uma senhora.

Uma senhora? Ah, nunca o serei… – pensa Tereza ao ouvi-lo, e o doutor parece ler o seu pensamento como se tivesse o dom de adivinhar.

Só não será se não quiser, se não tiver vontade. Se não for quem eu penso que você é.

- Vou-me esforçar…

- Não Tereza, não basta se esforçar.

Tereza o fitou e Emiliano viu-lhe nos olhos negros aquele fulgor de diamante:

- Não sei direito como é uma senhora, mas suja e esmolambada não me verá mais, isso lhe garanto.

- Quanto a essa empregada que lhe deixou trabalhando enquanto ela não fazia nada vou mandá-la embora…

- Mas ela não tem culpa, fui eu que quis fazer as coisas, tenho o costume e fui fazendo…

- Mesmo que não tenha culpa, já não serve, para ela você não será mais a patroa, lhe viu fazendo as vezes de criada, já não lhe terá respeito. Quero que todos a respeitem, você aqui é a dona da casa e acima de você só eu e mais ninguém.

13

Por um tempo maior, Tereza ficou sozinha no quarto com o defunto. Haviam-no deitado, as mãos cruzadas, a cabeça sobre o travesseiro. No jardim Tereza colhera uma rosa, recém-aberta, vermelha de sangue, e a pusera entre os dedos do doutor.

Ao saltar do automóvel, chegando da usina ou de Aracaju, o doutor depois do prolongado beijo de boas-vindas – a carícia do bigode, a ponta da língua – lhe dava a guardar o chapéu Chile e o rebenque de prata, enquanto o chofer e Alfredão levavam pastas de documentos, livros e embrulhos para a sala e a copa.
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