terça-feira, agosto 16, 2011

TEREZA


BATISTA

CANSADA

DE
GUERRA





Episódio Nº 180




Habitualmente o doutor usava fora de casa o rebenque de prata; não só no campo, montado a cavalo a percorrer canaviais, a examinar gado nos pastos, também nas cidades, na Bahia, em Aracaju, na direcção do Banco, na presidência da Eximportex S.A., ornamento, símbolo e arma.

Nas mãos do doutor, arma temível; na Bahia, vibrando o rebenque, pusera em fuga dois jovens malandros, iludidos com o grisalho noctívago, tomando por medo a pressa do doutor, e de dia, no centro da capital, fizera o desaforado escriba Haroldo Guedes engolir um artigo de jornal. Contratado por inimigos dos Guedes, o atrevido foliculário, pena de aluguer barato a desfazer reputações em tranquila impunidade, escrevera num semanário de cavação, extensa e violenta catilinária contra o poderoso clã.

Chefe de família, coube a Emiliano o grosso da pasquinada: “impenitente sedutor de ingénuas donzelas campesinas”, latifundiário sem alma, explorador de trabalho de colonos e meeiros, ladrão de terras”, “contrabandista contumaz de açúcar e aguardente, useiro e vezeiro em lesar os cofres públicos com a conivência criminosa dos fiscais do Estado”.

Os irmãos, Milton e Cristóvão, entravam na dança considerados de “incompetentes e incapazes” especializando-se Milton “na carolice, santo de pau oco” e Cristóvão “na cachaça, irrecuperável pau-d’água”, madeiras ruins, um e outro – sem esquecer o gracioso Xandô de “homófilas preferências sexuais”, ou seja o jovem o jovem Alexandre Guedes, filho de Milton, desterrado no Rio, proibido de aparecer na usina por ser doido por atletas trabalhadores negros”.

Um artigaço, lido e comentado, contendo “muita verdade se bem escrita com pus”, na opinião de informado político sertanejo em animada roda na porta do Palácio do Governo.

Apenas terminara a frase, olhando em torno, o deputado pôs a mão na boca leviana: subindo a Praça, o doutor, com o seu rebenque trabalhado em prata, a descê-la, no passo firme do sucesso, da evidência, o jornalista Pêra. Não houve tempo para a fuga, o glorioso autor engoliu o artigo a seco e lhe ficou na face a marca do rebenque.

Ali, em Estância, no entanto, o doutor ao sair para a caminhada diária após o jantar, em vez do rebenque levava uma flor na mão. O hábito se estabelecera no início da convivência quando a ternura nascente ampliava pouco a pouco a intimidade, dando-lhe nova dimensão, a princípio reduzida ao leito de carícias.

Naqueles idos, o usineiro ainda não se mostrava na rua em companhia de Tereza, sozinho nos passeios nocturnos à velha ponte, à represa, ao porto nas margens do rio Piauí, mantendo-a clandestina, escondida nas dobras da aparência, jamais vistos os dois juntos em público – “o doutor pelo menos respeita as famílias não é como outros que esfregam as raparigas na cara da gente”, elogiava dona Geninha Abib, dos Correios e Telégrafos, gorda e tenaz má-língua. Apenas os íntimos testemunhavam o crescer da afeição, da confiança, da familiaridade, do carinho a unir os amásios, cabedais de amor pacientemente conquistados.

Aconteceu certa noite quando, após beijá-la, ele lhe disse: até logo, Tereza, volto já, vou estender as pernas e fazer a digestão. Ela correu para o jardim e colhendo um botão de rosa, imensa gota de sangue de um vermelho escuro, espesso, ao doutor o entregou murmurando:

- Para se lembrar de mim na rua…


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