segunda-feira, setembro 05, 2011

TEREZA



BATISTA


CANSADA


DE


GUERRA





(Episódio Nº 197)




Nunca antes Emiliano Guedes tivera consciência de haver praticado uma vilania. Em inúmeras oportunidades, no quotidiano de senhor de terras, patrão de usina, banqueiro e empresário, brigando e comandando, cometera injustiças, violências, atropelos, actos discutíveis e condenáveis. De nenhum sentiu remorso, de nenhum se recordou para lastimar tê-lo feito ou ordenado. Todos necessários e justificados. Também no caso do aborto agira na defesa dos interesses da família Guedes e da comodidade pessoal dele, Emiliano. Por que diabo, então, o feto lhe espinha a memória numa sensação incómoda e persistente?

Tereza no leito, seca por dentro, o doutor desdobrando-se em atenções até fazê-la sorrir em meio ao desconsolo.

Naquele dia oco e turvo aconteceu subtil mudança nas relações entre os dois amásios, imperceptível aos estranhos e aos íntimos: Tereza Batista deixou de ser para o doutor Emiliano Guedes um brinquedo, entretenimento caro, fonte de prazer, passatempo de velhote rico com a mania de livros e de vinhos, de requintado grão-senhor disposto a transformar chucra menina sertaneja em perfeita senhora das boas maneiras, de finura, do gosto, da elegância.

Também na cama, trazendo-a da explosão violenta do instinto para a sabedoria das carícias prolongadas, para o refinamento do prazer no desfrute total de cada instante, ma descoberta e conquista da ilimitada escala da volúpia. Fazendo de Tereza ao mesmo tempo fêmea exímia e senhora dona. Apaixonante passatempo, mas um passatempo, um capricho.

Até àquele dia de cinzas, Tereza se considerou sobretudo em dívida com o doutor, a gratidão ocupando preponderante lugar entre os sentimentos a ligá-la ao usineiro. Ele a mandara retirar do cárcere, indo depois pessoalmente buscá-la em quarto imundo de prostíbulo e, fazendo-a sua amásia, a tratou como se ela fosse alguém, uma pessoa, com bondade e interesse.

Dera-lhe calor humano, ternura, tempo e atenção, erguendo-a da ignomínia, da indiferença pelo destino, ensinando-lhe a amar a vida. Tereza fizera do doutor um santo, um deus, alguém muito acima dos demais, e isso a deixava acanhada, diante dele. Não era sua igual, nem ela nem ninguém; só na cama, na hora do desfalecimento, ela o tinha em homem de carne e osso, ainda assim superior aos outros em dar e receber. Fosse na medida dos sentimentos, não existindo quem a ele se pudesse comparar.

Ao optar entre o doutor e a vida a lhe intumescer o ventre, Tereza, sem se dar conta, resgatara a dívida. Não podia vacilar nem vacilou no instante cru e frio em que dispôs do filho e dispôs da vida e da morte alheias. Num átimo teve de pensar os valores máximos e colocou o amor de mulher acima do amor de mãe; certamente a gratidão desempenhou relevante papel na escolha. Sem o perceber, pagou a dívida e adquiriu crédito ilimitado junto ao amante. Encontraram-se próximos um do outro e tudo se tornou mais fácil dali em diante.

O doutor sabia que os interesses materiais não pesaram na decisão, pois garantira sustento e conforto para Tereza e para a criança, desobrigando-a, ao mesmo tempo de qualquer dever ou compromisso. Enquanto eu viver você e o menino terão de um tudo, ele só não terá o meu nome, você só não terá a mim.

O dinheiro significa pouco para ela, tendo Emiliano de estar atento para nada faltar à amásia, pois ela não pede, não reclama, não se a aproveita.


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