sábado, junho 30, 2012


GABRIELA
CRAVO
E
CANELA


Episódio Nº 138

Prosseguia seu caminho, o negro Fagundes elevava a foice, os olhos mansos e bons a acompanhar o coronel. Que podia responder? Melk o arrancara das mãos da polícia quando ele, bêbedo, numa ida ao povoado, pusera em polvorosa casa das prostitutas. Não era homem para ouvir calado, mas ao coronel não podia responder.

Não o levara ele, não fazia muito tempo, a Ilhéus para tocar fogo numas gazetas, coisa engraçada, não lhe recompensara bem?

E não lhe dissera que o tempo dos barulhos estava voltando, tempos bons para homem de coragem, de certeira pontaria, assim como o negro Fagundes? Enquanto esperava, ia colhendo cacau, dançando sobre os grãos a secar nas barcaças, suando na estufa, cobrindo de mel os pés, nos cochos.

Estavam tardando esses anunciados barulhos, aquela fogueira na cidade nem dera para esquentar. Ainda assim fora bom, vira o movimento, andara de caminhão, sapecara uns tiros para cima só para enganar, e pusera os olhos em Gabriela apenas chegara.

Ia passando na frente de um bar, ouvira rir, só podia ser ela. Estava sendo conduzido para uma casa onde iam ficar até à hora da ocupação. O moço que os levava, de apelido loirinho, respondera à sua pergunta:

 - É cozinheira do árabe, um torrão de açúcar. O negro Fagundes diminuía o passo, atrasava-se para espiá-la. Loirinho dava pressa zangado:

 - Vamos, moreno, não se mostre assim senão estraga o plano. Vamos embora.

Ao voltar à fazenda, na noite imensa de estrelas, quando o som da harmónica chorava a solidão, contara a Clemente. A luz vermelha do fifó criava imagens no negrume das roças, eles viam o rosto de Gabriela, seu corpo de dança, as pernas altas, os pés caminheiros.

 - Tava bonita que só vendo…

 - Trabalha num bar?

  - Cozinha pró bar. Trabalha para um turco, um gordo com cara de boi. Tava nos trinques, metida em chinelos, lavada de fresco.

Mal enxergava Clemente à luz do fifó, curvado a ouvir, calado a pensar.

 - Tava rindo quando eu passei. Rindo pra um tipo, um ricaço qualquer. Tu sabe, Clemente? Tinha uma rosa na orelha, nunca vi coisa igual.

Rosa na orelha, Gabriela perdida na luz do fifó. Clemente se fecha como um casco de tartaruga.

 - Me meteram nos fundos da casa do coronel. Vi a mulher dele, criatura doente, parece uma imagem. Vi a filha também, esparrama beleza, mas orgulhosa, passava pela gente sem reparar. Lindeza de moça, mas te digo Clemente, como Gabriela não tem mesmo não. Que é que ela tem, Clemente? Me diga…

O que é que ela tem? Como ia saber? Não adiantara dormir com ela, deitada em seu peito, nas noites do caminho, do sertão, da caatinga, dos prados verdes depois.

Não aprendera, nunca soubera. Uma coisa tinha, impossível esquecê-la.
(Click na imagem: abandonada sobre o leito com os seus belos cabelos negros)

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