terça-feira, setembro 18, 2012


A Namoradinha Que Nunca Tive


Ver o comportamento dos jovens de hoje nas noites de 6ª F.ª constitui a forma mais chocante e violenta de me sentir velho, fora do tempo que passa ou numa terra estranha onde devo ter aterrado de pára-quedas no dia anterior e na qual não me reconheço.

Normalmente, a tendência das pessoas que chegam à fase da velhice - não percebo porque esta palavra mete medo a tanta gente e a trocaram por essa coisa da 3ª idade ou, pior ainda, por sénior - é o de recordarem os tempos de namoro da sua juventude como tendo sido os melhores deste mundo e eu compreendo isso muito bem porque sou da idade deles e as pessoas da mesma geração, naturalmente, compreendem-se melhor.

Mas do que, normalmente, eles não se dão contam é que esses elogios não têm a ver com os “tempos” mas antes com a juventude, a sua juventude, ela é que era boa, tão boa que até as coisas más de quando fomos jovens agora nos parecem boas.

Realmente, a juventude potencia a vida, os obstáculos não passam de desafios e os desgostos, sejam quais forem, esquecem-se e ultrapassam-se muito rapidamente porque, para isso, lá está a primavera da vida com as campainhas a tocarem por todo o lado chamando-nos ao dia seguinte que espera por nós…

Mas aquilo que nos foi feito pelos nossos pais e educadores, na década de quarenta e cinquenta, que coincidiu com a minha juventude, foi uma grande maldade só perdoável porque os meus avós, com eles, ainda fizeram pior.

A separação forçada a que os jovens de sexo diferente estavam sujeitos constituiu um atentado e uma violação não só aos direitos da minha juventude mas, ainda mais grave, à minha própria natureza e de todos os jovens da minha geração, em maior ou menor grau, vítimas dessa autentica crueldade.

Quando estudava no Colégio Nuno Álvares, em Tomar, bem poderia desejar ver, a caminho da Igreja para a Missa Dominical, nem que fosse ao longe, as minhas colegas do Feminino, também elas internas do Colégio num outro edifício. Mas em vão, porque não só as Missas eram a horas ligeiramente diferentes como os percursos eram igualmente diferentes.

Contactos de proximidade e intimidade só com as mulheres da vida que nos esperavam nas casas, ditas de “meninas”, algumas delas passajando roupa de vestir, quem sabe, as calças de algum filho que talvez tivesse a nossa idade ou até mesmo mais velho.

Essas insípidas experiências de sexo feito com uma mulher que tinha idade para ser nossa mãe constituíam atentados efectuados por nós próprios à nossa sensibilidade de jovens e eram sempre de muito má recordação.

Eram relações muito desiguais: de um lado, a mulher profissional, experiente, madura, por vezes maternal, do outro, a inexperiência, a juventude ainda feita meninice com um pouco de vergonha à mistura…e para quê?

O que um jovem necessita para o seu desenvolvimento saudável é o de se envolver num namoro com uma rapariga da sua simpatia e com ela sair, conviver e expressar-lhe os seus sentimentos na sequencia de um processo que, sabemos hoje, começa a desenvolver-se aos oito anos de idade e envolve circuitos de neurónios, hormonas e muitos outros químicos à mistura.

Há uns bons anos atrás, uma senhora pretensiosa, minha colega de trabalho em Moçambique, desabafou comigo, muito orgulhosa, porque tinha dado dinheiro ao filho, já rapazola, para ir às meninas. Pobre senhora, tinha as ideias todas baralhadas na cabeça…

Mas, voltando à minha juventude, eu não sabia nada, era apenas uma alma romântica, de resto, ninguém sabia nada, para além de que quase todas essas coisas eram pecado e a castidade é que era boa e fazia bem à saúde para além de agradar a Nosso Senhor.

 Antes do Colégio Nuno Álvares, em Tomar, tinha estado dois anos num Colégio de Jesuítas em Lisboa…

O meu colega José Augusto, que jogava futebol na equipa do Colégio e por isso era conhecido das meninas do Feminino que eram autorizadas a assistir aos jogos num sector das bancadas que lhes era reservado, devidamente acompanhadas e vigiadas, ficou interessado na irmã do Peixoto, talvez por cumplicidade com o irmão que era seu amigo, ou por um qualquer olhar mais penetrante da bancada para o campo ou do campo para a bancada, não se sabe… as setas do Cupido têm percursos muito caprichosos.

Fui então escolhido para redigir a carta do pedido de namoro o que aceitei com grande regozijo interior mas aparente indiferença sem que, no entanto, me tivesse feito demasiado caro não fosse ele desistir do pedido.

Com todas aquelas barreiras e obstáculos que existiam entre rapazes e raparigas, eu nem de vista conhecia a irmã do Peixoto mas, desde quando, um jovem romântico de dezasseis ou dezassete anos, precisa de conhecer uma rapariga para lhe escrever uma carta de amor?

Não faço nenhuma ideia se o José Augusto veio a casar com a irmã do Peixoto, se tiveram muitos meninos e hoje um rancho de netos mas, se tal não aconteceu, não foi por causa da carta que depois de ter conseguido chegar ao destino com a cumplicidade de outros jovens, foi lida pela destinatária que lhe respondeu logo, na volta do mensageiro, com os olhos ainda cheios de lágrimas de amor e paixão, conforme as suas próprias palavras.

Não está certo, não é justo, não foram os lindos olhos dele, foi a minha carta, foram as minhas palavras que desencadearam nela os sentimentos de amor e paixão… mas foi ele que ficou com a namorada e isto foi uma espécie de batotice.

Fosse a vida o Jogo da Glória, a pedra que me representa como jogador voltaria para trás, à casa do NAMORO, e recomeçar-se-ia novamente a lançar os dados.

AH!… dizem vocês, mas se assim fosse serias o último a chegar à META e eu respondo: quero lá saber, muito mais importante do que chegar primeiro à META é ficar na casa do NAMORO porque a volúpia de uma paixão aos dezassete anos de idade dá muito mais prazer do que cortar a porcaria da META e não duvidem de mim porque sei do que falo… ainda hoje morro de saudades pela namoradinha que nunca tive.

A vida é, em grande parte, um jogo, apenas as regras são diferentes consoante os locais e a época em que se vive e os factos descritos não os teria vivido se não estivéssemos então nos anos pouco gloriosos de 1954/55, completamente dominados por uma mentalidade de sacristia, bolorenta e doentia, que então predominava na nossa sociedade.

A separação contra natura dos sexos aconteceu nas nossas sociedades machistas e favoreceu escandalosamente os homens que, a propósito dessa separação, reservaram para as mulheres as tarefas discretas do lar e da família ficando eles com os privilégios dos trabalhos mais nobres.

De há muito que entre nós a situação se alterou, rapazes e raparigas convivem hoje lado a lado desde os bancos da escola até ao último grau da vida académica, vestem as mesmas fardas e participam nas mesmas guerras.

Hoje, são elas que dominam em todos os lugares da Administração Pública com excepção, ainda, dos pontos chaves do Poder Político e isto porque são mais trabalhadoras e perseverantes na linha de uma tradição evolutiva da nossa espécie em que o segredo do sucesso talvez tenha estado mais nelas do que em nós, homens.

... mas que raio de saudades eu tenho da namoradinha que nunca tive…

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