quinta-feira, fevereiro 14, 2013

Partida para uma caçada

A conversa de um bosquímano


Vale a pena contar uma pequena história relatada por um bosquímano, membro da tribo !Kung San ( o ponto de exclamação indica um estalido produzido com a língua e que não tem equivalente em línguas europeias).

Os bosquímanos, juntamente com os pigmeus, são o povo mais antigo do mundo, aquele que está mais próximo dos nossos antepassados remotos.

 Numa entrevista ao antropólogo Richard Lee, na década de setenta, o bosquímano explica os costumes do seu povo:



- «Imagine um homem que andou a caçar. Ele não pode voltar para casa e anunciar como um fanfarrão: “Matei uma coisa grande no mato”.

Não, primeiro tem de se sentar em silêncio até eu ou outra pessoa qualquer chegar ao pé da fogueira dele e perguntar: “Que viste hoje?”

Então ele responde calmamente: “Ah, eu não sou nada bom a caçar. Não vi nada de nada…talvez só uma coisinha pequena”. Depois, eu sorrio de mim para comigo porque fiquei a saber que ele matou qualquer coisa grande».



A conversa brincalhona continua enquanto vão buscar o animal morto:


 - “Quer dizer que nos arrastaste a todos até aqui para nos obrigares a levar para casa o teu monte de ossos? Ah, se eu soubesse que era assim tão magro não teria vindo. E pensar que abdiquei de um belo dia à sombra para isto…Em casa podemos ter fome, mas pelo menos temos água fresca para beber.”

Qual o objectivo desta conversa? - O entrevistado explica:

- “Quando um jovem caça e consegue muita carne, passa a ver-se como um chefe ou um homem importante e pensa em nós como seus servos ou inferiores. Não podemos aceitar isso. Recusamos quem é fanfarrão, pois um dia o seu orgulho levá-lo-á a matar alguém. Por isso falamos sempre dos animais que ele caça como se fossem uma coisa insignificante. Desta maneira, esfriamos-lhe o coração e tornamo-lo simpático.”

Os bosquímanos estavam conscientes do desejo de afirmação do jovem através do animal que conseguira abater para alcançar uma posição de superioridade na sociedade, e sabiam que isso poderia torná-lo perigoso para os restantes membros do grupo.

A “receita” foi uma lição de humildade com o objectivo de garantir uma sociedade onde todos eram iguais independentemente dos animais que cada um conseguia matar.

Entre nós, fazemos o contrário... estimulamos o brio, o orgulho, a vaidade pessoal, o espírito competitivo e, à partida, como o entrevistado reconhece, esses "ingredientes" estavam no espírito do jovem caçador mas, a sociedade é sábia e precavida. Não o fora e há muito ter-se-ia auto-destruído.

Num deserto, onde aparentemente nada existe, este povo não só conseguiu sobreviver como, ainda por cima, ser a gente mais feliz e bem disposta do mundo.

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