DO
CARNAVAL
Episódio Nº 31
Paulo Rigger saíu do
cinema com a alma a transbordar de felicidade. Dava-lhe vontade de gritar com
todas as forças dos seus pulmões: “Eureca! Encontrei a Felicidade” Seguiu Maria
de Lourdes até a casa. Subiu a Ladeira do Pelourinho tão abstracto que nem
sentiu as pedras soltas do calçamento colonial.
O grupo onde ia Maria de
Lourdes parou em frente do alto casarão. Dava ideia de um caixão aquele
sobrado. No patamar da escada, a escuridão dominava triunfante. Não penetrava
ali um raio de luz.
Na porta, umas senhoras
que moravam perto despediam-se. Rigger, de fronte, fumava um cigarro, fitando
Lourdes num olhar muito lânguido, húmida de amor.
Ela, muito elegante, numa
deliciosa fascinação de conjunto, olhava-o às vezes, ás pressas, enleada.
Quando as senhoras se foram, Dª Helena, sonolenta, propôs.
- Vamos subir?
Subiram. Antes de
ingressar na treva Maria de Lourdes acariciou com o seu olhar nevoento a
alegria nascente de Paulo Rigger.
Ficou quase meia hora à
espera que ela aparecesse em qualquer das janelas dos três andares. Não sabia
que aquele sótão triste não tinha janelas para a rua. Apenas uma porta sobre a
escada imunda…
Desanimou, por fim. E
subiu a escada cantarolando…
Os amigos, à excepção de
Pedro Ticiano, cujos olhos já não enfrentavam as trevas da noite, estavam no
bar do costume. Escutavam Jerónimo Soares que contava a história muito
interessante de um crítico literário que fora surpreendido recebendo dinheiro
de um pretendente a intelectual para elogiar o seu livro de versos a aparecer
por aqueles dias.
Rigger, que nadava num mar
de alegria, revelou uma bondade até então desconhecida nele:
- Ora, a gente não deve ligar para isso. Deve
desculpar. Perdoar… Deve-se mesmo perdoar sempre na vida. Os homens superiores
devem amar-se uns aos outros…
- E principalmente uns às outras – riu
vitorioso o Gomes.
- Deixe-se de trocadilhos idiotas, rapaz… Você
dizia, Rigger…
- Que nós devemos nos amar uns aos outros. E
que nós devemos ter uma grande indiferença pelos outros homens, que não são nem
podem ser iguais a nós… Devemos perdoá-los sempre…
Nada do que eles façam de
tolo, de ridículo nos deve causar surpresa… Eles são inferiores. Não sabem o
que fazem…
- Parabéns, Messias!
- Eu não sabia que você tinha tão grande
coração…
José Lopes concordava com
Rigger. Ricardo e Jerónimo consideravam aqui lo
mais uma blague de Paulo.
- A gente não deve perdoar a imbecilidade. Não
deve nem pode… Então eu hei-de perdoar a burrice crassa daqueles muitos que
publicam uma revista que é uma afronta à gramática e às boas letras do país? –
interrogava Ricardo Braz.
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