Episódio Nº 9
No meio das conversas,
quando alguém acabava de contar um caso e todos ficavam silenciosos, uma
cabrocha lembrava sempre:
- Cante prá gente, seu Zé…
- Ora, a conversa tá tão boa, moça – ele se
fazia modesto.
- Deixe disso, seu Zé cante…
- Mas eu deixei o violão em casa…
- Não tem nada… Baldo vai buscar…
António Balduíno já estava
correndo rumo ao casebre onde Zé Camarão morava. Mas este fazia-se rogar.
- Hoje não estou com a voz boa… Me desculpe
moças…
Agora todos pediam:
- Cante, Zé Camarão.
- Tá bom, vou cantar uma coisa só…
Mas cantava muitas,
tiranas, cocos, sambas, cantigas saudosas, canções tristes que enchiam os olhos
de água, e a B C aventurosos que deliciavam António Balduíno:
Adeus Saco do Limão
Lugar onde eu nasci
Eu vou preso prá Baía
Levo saudades de ti
Era O A B C do cangaceiro,
Lucas da Feira, um dos heróis predilectos de António Balduíno:
Entusiasmado eu carreguei
Pompa e muita grandeza
Pois no meu rancho eu tinha
Bote de rapé a princesa
Fui preso prá Bahia
Fizeram grande função
Mas eu desci a cavalo
E os guardas de pés no chão.
Faziam comentários
baixinho:
- Foi um danado, esse Lucas…
- Diz que tinha uma pontaria cruel…
- Diz que era um homem bom…
- Bom?
- Só roubava rico… Pra ir buscar dinheiro dos
pobre…
Homem pobre nunca roubei
Pois não tinha o que roubar
Mas os ricos de carteira
A nenhum deixei escapar.
- Não tava dizendo?
- Macho bom de verdade…
Mulatas de bom cabelo
Cabrinhas de boa cor
Crioulinhas só por debique
Branqui nhas
não me escapou.
Aí Zé Camarão passou os
olhos doces sobre o grupo de cabrochas e sorria o seu melhor sorriso. Elas o
admiravam como se ele fosse o próprio Lucas da Feira.
Os homens soltavam
gargalhadas. Depois vinha a fidelidade do cangaceiro à sua palavra e ao seu
heroísmo fanfarrão:
Não digo quem é meu sócio
Nem me convém a dizer
Se hoje me vejo perdido
Não deito os outros a perder.
A grande tela redonda
Em toda aquela redondeza
Me chamavam capitão
Capitão sou concerteza
Porém tinha uma hora em
que a voz de Zé camarão era mais cheia e os seus olhos mais doces. Era quando
cantava a letra U:
U é letra vogal
Com a,e,i,o, também
Adeus Caldeirão da Feira
Adeus também mais alguém…
Olhava para a sua preferida e naquele
momento ele era Lucas da Feira, o cangaceiro, o assassino, que no entanto amava
alguém…
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