terça-feira, maio 07, 2013


JUBIABÁ

Episódio Nº 9


No meio das conversas, quando alguém acabava de contar um caso e todos ficavam silenciosos, uma cabrocha lembrava sempre:

 - Cante prá gente, seu Zé…

 - Ora, a conversa tá tão boa, moça – ele se fazia modesto.

 - Deixe disso, seu Zé cante…

 - Mas eu deixei o violão em casa…

 - Não tem nada… Baldo vai buscar…

António Balduíno já estava correndo rumo ao casebre onde Zé Camarão morava. Mas este fazia-se rogar.

 - Hoje não estou com a voz boa… Me desculpe moças…

Agora todos pediam:

 - Cante, Zé Camarão.

 - Tá bom, vou cantar uma coisa só…

Mas cantava muitas, tiranas, cocos, sambas, cantigas saudosas, canções tristes que enchiam os olhos de água, e a B C aventurosos que deliciavam António Balduíno:

Adeus Saco do Limão
Lugar onde eu nasci
Eu vou preso prá Baía
Levo saudades de ti

Era O A B C do cangaceiro, Lucas da Feira, um dos heróis predilectos de António Balduíno:

Entusiasmado eu carreguei
Pompa e muita grandeza
Pois no meu rancho eu tinha
Bote de rapé a princesa

Fui preso prá Bahia
Fizeram grande função
Mas eu desci a cavalo
E os guardas de pés no chão.

Faziam comentários baixinho:

 - Foi um danado, esse Lucas…

 - Diz que tinha uma pontaria cruel…

 - Diz que era um homem bom…

 - Bom?

 - Só roubava rico… Pra ir buscar dinheiro dos pobre…

Homem pobre nunca roubei
Pois não tinha o que roubar
Mas os ricos de carteira
A nenhum deixei escapar.

 - Não tava dizendo?

 - Macho bom de verdade…

Mulatas de bom cabelo
Cabrinhas de boa cor
Crioulinhas só por debique
Branquinhas não me escapou.

Aí Zé Camarão passou os olhos doces sobre o grupo de cabrochas e sorria o seu melhor sorriso. Elas o admiravam como se ele fosse o próprio Lucas da Feira.

Os homens soltavam gargalhadas. Depois vinha a fidelidade do cangaceiro à sua palavra e ao seu heroísmo fanfarrão:

Não digo quem é meu sócio
Nem me convém a dizer
Se hoje me vejo perdido
Não deito os outros a perder.

A grande tela redonda
Em toda aquela redondeza
Me chamavam capitão
Capitão sou concerteza

Porém tinha uma hora em que a voz de Zé camarão era mais cheia e os seus olhos mais doces. Era quando cantava a letra U:

U é letra vogal
Com a,e,i,o, também
Adeus Caldeirão da Feira
Adeus também mais alguém…

Olhava para a sua preferida e naquele momento ele era Lucas da Feira, o cangaceiro, o assassino, que no entanto amava alguém…

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